sábado, 30 de junho de 2012

György Lukács - Intelectual marxista, um dirigente revolucionário

György Lukács viveu, na sua trajetória como intelectual, os dilemas de buscar dar continuidade às primeiras gerações de marxistas, que eram, ao mesmo tempo, intelectuais e dirigentes revolucionários. Líder do Partido Comunista (PC) da Hungria nos anos 1920, Lukács foi ministro da Cultura de um governo de coalizão, até que, depois de vários reveses nos debates internos do partido, resignou-se à sua condição de intelectual marxista, em participação direta na atividade partidária.        
Embora não se constitua em algum dos casos típicos analisados por Perry Anderson em seu clássico livro Considerações sobre o marxismo ocidental – nem foi expulso ou viveu uma situação insuportável dentro do partido, nem foi vítima da repressão fascista –, Lukács representa um dos grandes dilemas dos intelectuais marxistas diante da chamada “stalinização dos partidos comunistas”, que estreitou as margens de debate interno, a ponto de inviabilizá-los.
Conforme os partidos comunistas deixavam de ser espaços abertos ao debate e à criação intelectual, bloqueando a articulação entre teoria e prática marxistas, produzia-se uma das grandes cisões de que o movimento comunista, socialista e de esquerda em geral passou a sofrer desde então: teorias sem práticas políticas e práticas sem teorias políticas. O marxismo perdia fertilidade concreta e a prática deixava de ser iluminada pela teoria.
Como teoria que pretende não apenas interpretar a realidade, mas transformá-la, o marxismo busca articular deciframento da realidade e sua transformação revolucionária. A interpretação sem seu desdobramento na prática política desvirtua a essência do marxismo, ao mesmo tempo em que a prática política sem sua interpretação radical fere outro dos seus postulados, formulado por Lenin: “Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”.
As gerações de Marx, Engels, Lenin, Trotski, Rosa Luxemburgo e Gramsci foram sucedidas por grandes teóricos, como Lukács, Jean-Paul Sartre, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Ernst Bloch – e depois deles uma nova leva de intelectuais revolucionários, da qual István Mészáros é exemplo –, entre tantos outros, brilhantes pensadores que nunca capitularam, mantendo-se firmes nas concepções anticapitalistas, apesar de tudo o que vitimava o marxismo e a esquerda em geral – da social-democracia ao stalinismo.
No entanto, o campo da esquerda, das forças anticapitalistas e socialistas passou a sofrer dessa cisão entre teoria e prática. Perderam fertilidade política, renunciaram à dimensão inerente ao marxismo de teoria articulada com a transformação revolucionária do mundo.
“Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”, afirmava Lenin. A prática política dos partidos de esquerda tendeu a deixar-se guiar pela agenda do sistema dominante, enquanto que os intelectuais tenderam ao ultraesquerdismo: entre uma teoria aparentemente perfeita e uma prática sempre heterodoxa, os intelectuais tendem a ficar com a teoria e a desprezar a prática política. Como resultado, ambos se esterilizam.
O mundo acadêmico – onde grande parte da intelectualidade desenvolve suas práticas profissionais – não foi poupado pelas grandes transformações operadas na passagem do período histórico anterior para o atual. Uma parte dos intelectuais, diante da transformação do mundo multipolar em unipolar, assumiu diferentes formas de adaptação à hegemonia capitalista e às variantes da doutrina liberal. Uma parte significativa segue processos de produção de conhecimento pertinente, porém prisioneiro da divisão técnica do trabalho acadêmico e da especialização correspondente.
Outro contingente, por sua vez, deixa-se aprisionar pelos mecanismos doutrinários, que desembocam em posições ultraesquerdistas, desvinculadas da realidade concreta. Os novos processos políticos latino-americanos representam estímulos para decifrar seu significado e para contribuir para seu aprofundamento. Questões centrais têm surgido com novas roupagens ou mesmo novas questões, desafiando a intelectualidade latino-americana. Esses processos avançaram com graus diversos de teorização, porém seguramente as dificuldades que enfrentam dependem também de profundo debate e elaboração teórica e política, para que possam efetivamente consolidar os avanços realizados e encaminhar-se para a construção de sociedades que permitam a superação da exploração, da opressão, da discriminação e da alienação.
Trecho de texto publicado em István Mészáros e os desafios do tempo histórico, organização de Ivana Jinkings e Rodrigo Nobile (Boitempo, 2011).
Fonte: Blog da Boitempo
Emir Sader

Ver Obras de Lukács em: 


http://sergiolessa.com/Novaartigos_etallil.html


 (verificar  também os sites  www.4share.com, http://library.nu/ ) neles sempre há novos textos  de Lukács, Marx, Mészáros,  etc. que se pode baixar.

Alguns Materiais disponíveis: 



  
Asalto a la Razón











Ontologia
Traduções para o português,  texto original em alemão do  capítulo "O trabalho"

Para Uma Ontologia - Parte I

Hegel   

Para Uma Ontologia - Parte II

Alienação    


Curso - O Método em Marx


O Professor José Paulo Netto ministrou, em 2002, o Curso O Método em Marx na pós-graduação em Serviço Social da UFPE. O Curso foi gravado originalmente em Fitas VHS. A versão para DVD, dos 5 dias de aula (manhã e tarde), resultou em 2 DVDs por aula, num total de 10 DVDs.
Para que o curso pudesse ser baixado via Internet, os DVDs foram comprimidos com o Nero V.7.
Para assistir às aulas (arquivos de midia MPEG4) pode-se utilizar o Nero Show Time. Ou o VLC (gratuito):

Gostaríamos de agradecer a todos que nos ajudaram a solucionar os problemas técnicos anteriormente encontrados no acesso ao Curso O Método em Marx.

Foi feita uma revisão detalhada dos DVDs, corrigindo-se a sequência original das aulas. É necessário, portanto, que a ordem das aulas/dvds seja respeitada. Caso contrário, como nos "alertou" um espirituoso amigo, poderá um curioso desavisado, "sair por aí dizendo que o Capital foi escrito antes de Marx concluir o curso universitário, depois foi pra Londres trabalhar na Gazeta Renana, no final da vida se aborreceu e passou a escrever uma tese sobre Epicuro, puto da vida com a Liga dos Comuns e com as conversas de Engels, com aquela mania de dialética..."

No Youtube: 
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=tTHp53Uv_8g#! 

Links para baixar arquivos:




 

 





Fonte: http://www.cristinapaniago.com/jos%C3%A9_p_netto_-_curso_o_m%C3%A9todo_em_marx_-

quinta-feira, 28 de junho de 2012

As raízes da greve- Entendendo o REUNI, o PNE e a luta pelos 10% do PIB para educação PÚBLICA JÁ!



Por  Clara Saraiva, da Comissão Executiva Nacional da ANEL

Estamos diante da maior e mais forte greve da educação da última década. Docentes, funcionários e estudantes estão juntos em uma grande luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. Motivos para se lutar não faltam: péssimas condições de trabalho, laboratórios mal equipados, salas de aula lotadas, estrutura física caindo aos pedaços, etc... O movimento acelerado de adesão à greve, seja do funcionalismo, dos professores ou dos alunos, é a expressão de um descontentamento enorme e represado há alguns anos com a situação em que se encontra a educação hoje no país.
Essa atual situação é fruto de políticas adotadas pelos últimos governos, principalmente o Reuni. Agora, a Dilma quer aprovar o novo PNE, que transforma o Reuni e outras medidas em políticas de Estado, ou seja, como um projeto de longo prazo para o Brasil. A educação atual no país é, portanto, fruto de políticas concretas aplicadas nos últimos anos. Políticas que se inserem em uma lógica global, a de que a educação não deve estar voltada para os interesses da população, mas sim a serviço do que o mercado necessita.
A ANEL está ao lado dos estudantes nessa greve e lutando sempre pelo nosso projeto de educação. O objetivo deste texto é ajudar a clarificar os motivos da situação precária em que se encontra a educação atualmente e apontar as soluções. Esperamos que o movimento estudantil, dessa forma, esteja mais preparado para enfrentar os enormes desafios que temos pela frente. Boa leitura!

Destrinchando o significado do REUNI
O Reuni foi um decreto do governo Lula, aprovado em abril de 2007 – o Decreto 6096/07 – com o nome Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Cada universidade deveria criar um projeto de implementação do Reuni, com a duração de5 anos. Segundo o governo, o decreto tinha como objetivo central “criar condições para a ampliação do acesso epermanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e derecursos humanos existentes nas universidades federais”.
Esse projeto retomava as metas estabelecidas pelo Ministério daEducação no período de Fernando Henrique Cardoso, inspiradas por sua vez pelas diretrizes do Banco Mundial de 1997, aprofundando os planos de “diversificação institucional”, desta vez de forma mais clara, não apenas com a expansão do ensino privado, mas através de ummodelo a ser implantado diretamente nas universidades federais.
Esse modelo de expansão, implementado a maior parte do tempo durante o crescimento econômico no Brasil, está a serviçode transformar as universidades em produtoras em série de mão de obra barata e especializada, com salários baixos e condições de trabalho ruins. É a universidade como fábrica de diplomas, o que interessa ao mercado e passa longe dos interesses dos trabalhadores e da solução dos problemas sociais. Tudo isso tem a ver com o papel que o Brasil cumpre no cenário econômico mundial, de exportador de commodities (minério, soja, café...) e de sede de multinacionais para exportar produtos manufaturados para a América Latina e pro mercado interno. Não é necessário ao mercado que se formem profissionais qualificados, que produzam tecnologia e conhecimento ao serviço da melhoria da nossa população. São preservados alguns poucos centros de excelência, e o restante das universidades se torna “escolões de 3o grau”.Essa é a razão fundamental que justifica a implementação do REUNI no Brasil.  
O decreto impõe uma série de metas a serem cumpridas pelas universidades federais e condiciona o recebimentode recursos ao cumprimento das metas. No artigo 1o o decreto afirma:

§ 1o  O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.

O que significa isso?                          
Elevar para 90% a taxa de conclusão média dos cursos de graduação significa que numa determinada universidade o número de concluintes num determinado ano tem que ser 90% em relação ao número de estudantes ingressantes 5 anos antes. É um número muito alto: no Brasil essa média é hoje 60%. Nos Estados Unidos, essa taxa é de 66%, na Suécia 48%; o único país do mundo cuja taxa de diplomação é aproximadamente 90% é o Japão, que tem condições culturais e econômicas bastante distintas das nossas. Essa meta abre o caminho para políticas de aprovação automática e incentiva a implementação de cursos de menor duração. Por outro lado, o governo não incentiva a criação de mecanismos para a queda na evasão, já que o que importa são os alunos que no final ficam na universidade, ou seja, não cabe às estatísticas avaliarem se os alunos evadidos são substituídos por meio de transferências, o que importa são os números atingidos no final. Para que de fato diminuísse a evasão, o governo deveria investir em políticas de assistência estudantil que evitasse que os estudantes largassem seus cursos, pelo fato de que “estudar é muito caro”. Mas não é nisso que o governo está interessado.
Sobre a relação professor/aluno, o decreto institui uma diminuição importante. Pode não parecer muito um professor para cada 18 alunos, já que nas salas de aula geralmente têm bem mais queisso. Mas antes do REUNI, a relação professor/aluno nas universidades federais erade 10,4 e na realidade já faltavamprofessores, ou seja, é impossível elevar a relação professor aluno atual sem precarizara educação. Paraconcretizar essa meta, as atividades de pesquisa e extensão têm que diminuir e o número de estudantes em salade aula aumentar. No documento que estabelece as Diretrizes Gerais para o REUNI, o MEC prevê uma média de45 alunos por sala de aula. No entanto, isso é uma média, como determinadas disciplinas que necessitam de umnúmero reduzido de alunos em sala, como as de laboratório, 10 ou 20, outras classes teriam mais de 100estudantes, como já acontece em diversas universidades.

Sobre os currículos, o artigo 2o coloca como uma das diretrizes:

III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;

Olhando o texto parece até bonito. Mas isso na prática significou a expansão do ensino à distância e a criação de cursos mais rápidos e com qualidade bastante questionável. São os chamados “bacharelados interdisciplinares”, que parecem mais uma improvisação da estrutura acadêmica, que aproveitam um professor de cada curso, uma sala de aula de cada campus, sem qualquer investimento adicional e preparação pedagógica e criam um curso novo. Quando vemos que há faculdade de Medicina sem estrutura para os alunos aprenderem Anatomia, uma cadeira básica do curso (o caso do campus novo de Macaé da UFRJ) parece até uma piada de mau gosto ou um deboche dizer que o Reuni busca “a constante elevação da qualidade”.

Sobre o financiamento, o decreto institui:
§ 1o  O acréscimo de recursos referido no inciso III será limitado a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal da universidade, no período de cinco anos de que trata o art. 1o, § 1o.
§ 2o  O acréscimo referido no § 1o tomará por base o orçamento do ano inicial da execução do plano de cada universidade, incluindo a expansão já programada e excluindo os inativos.
§ 3o  O atendimento dos planos é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação.
Vamos entender esses pontos. Em primeiro lugar, o acréscimo de verba para as universidades será de no máximo 20%. Sabemos bem como foi feita a expansão das vagas, que em muitos casos foi superior a 20% de alunos. Em muitas universidades e cursos, vimos dobrar a quantidade de alunos, como por exemplo a expansão da FURG. E isso tudo com o acréscimo de verbas de no máximo 20%. Não é a toa que os laboratórios estão mal equipados, ou que tenham estudantes tendo aula em containeres.
Agora, atenção para o parágrafo terceiro, que diz que o atendimento dos planos é condicionado ao orçamento do MEC. Isso significa que o governo não tem qualquer obrigação em custear os planos de expansão. É fácil: o MEC diz que sua capacidade orçamentária está baixa e não tem condições para bancar a reestruturação já implementada na universidade. Acontece que os alunos já estão lá, esperando a tal excelência da instituição federal de ensino, e recebendo em troca muita precarização.
O Decreto é simples, são duas folhas com algumas metas. O restante do conteúdo do Reuni ou fala coisas demagógicas, que se provaram completamente falsas na realidade da implementação ou detalha a forma da concretização. É um documento facilmente encontrado na internet, e vale a pena ser lido. Apesar de curto, o significado é muito grande. Nós, que sofremos no dia-a-dia, sabemos que o preço dessas duas folhinhas é a qualidade de nosso ensino superior.


O novo Plano Nacional de Educação (PNE)

Está tramitando desde o dia 20 de dezembro de 2011 no Congresso Nacional o novo PNE – PL 8035/10, e seu relatório já iniciou sua apreciação no dia 14 de junho. O PNE é umaprevisão constitucional, cujo objetivo é estabelecer diretrizes e metas para a educação em todosos níveis num período de 10 anos. Ou seja, não é apenas uma medida educacional, mas todo um projeto para a educação a longo prazo. Por isso, deve ser estudado com muita atenção.
Mas antes de analisarmos o conteúdo do novo plano é preciso fazer um balanço doantigo: o PNE de 2001 a 2010 ‐ Projeto de Lei 10.172/01.
                                                                    
O que dizia o PNE 2001 – 2010 e o que ocorreu na prática?

O plano nacional de educação aprovado no Congresso Nacional em 2001 estabelecia 295 metas para o decênio seguinte, entre elas estava a destinação de 7% do PIB (Produto Interno Bruto) para educação, a erradicação doanalfabetismo, o combate à evasão escolar e a ampliação do acesso ao ensino superior. A análise comparativa dealguns dados sobre a educação brasileira já nos permite tirar conclusões:

• O taxa de analfabetismo segue sendo muito alta, 9,7% em 2010.1
Em 2000, a taxa era de 13,6% e a metado PNE era a erradicação do analfabetismo em 2010. A comparação com outros países da América Latinanão deixa dúvidas sobre o tamanho do problema: no Uruguai, na Argentina e no Chile as taxas variamentre 2% e 4 %.

• A evasão escolar aumentou.
Entre 2006 e 2008, o índice passou de 10% para 13,2 %. A meta do PNE erareduzir 5 % ao ano.

• O número de jovens no ensino superior segue sendo muito baixo, 14,4%2 em 2009. A meta do PNE era chegar a 30 %dos jovens no ensino superior. Nesse ritmo, o país demoraria 59 anos para cumprir a meta.O Brasil também é campeão de exclusão neste aspecto; nos outros países da América Latina aporcentagem de jovens no ensino superior é muito maior: Argentina 40%, Chile 20,6%, Venezuela 26% e Bolívia 20,6%.

• Na última década o ensino superior pago cresceu duas vezes mais do que o público. A meta do PNE eraofertar 40 % das vagas do ensino superior na rede pública, em 2002 esse índice era de 29% e em 2010 era de 25%.

• A desigualdade no acesso ao ensino superior é altíssima.
Apenas 5,6 % dos jovens que tem rendimentosmensais per capita de meio a um salário mínimo cursam o ensino superior. Para os jovens que seencontram na faixa de cinco salários mínimos ou mais, a porcentagem sobe 10 vezes: 55,6% cursam oensino superior.

A implementação do PNE foi um fracasso: 2/3 das metas não foram cumpridas. O governo aponta uma série demotivos, como excesso de metas, falta de indicadores que pudessem aferir o andamento das metas, falta deplanejamento dos estados e municípios, etc. No entanto a opinião majoritária entre os especialistas, inclusiveentre os que apóiam o governo, é que a razão central do fracasso foi a ausência de recursos. E lembrando que sua implementação foi realizada no período de maior crescimento da economia brasileira.
0,0%
O Governo de Fernando Henrique Cardoso vetou, já em 2001, a destinação de 7% do PIB para a educação.Durante os oito anos do Governo Lula, o veto foi mantido e o investimento em educação não chegou nem pertodo previsto pelo PNE. A principal conclusão possível de chegar emrelação ao antigo PNE é que sem um investimentoexpressivo de recursos, o plano se tornou uma bela declaração de intenções sem viabilidade prática.


Comparando o antigo e o novo PNE

Depois de uma década de ineficiência na solução de problemas cruciais da educação brasileira, o papel que onovo PNE deveria cumprir era o de estabelecer uma mudança profunda no investimento em educação. É precisoinvestir imediatamente 10 % do PIB e dar as bases para que a educação brasileira possa dar um salto. Sem isso, odebate daqui a 10 anos será novamente a constatação de que estamos no mesmo lugar.
O novo PNE tem uma história muito distinta dos anteriores, a começar pela sua elaboração. A ConferênciaNacional de Educação – CONAE, reunida em Brasília em 2010, já não tem nenhuma semelhança com a Conferênciade Belo Horizonte que elaborou o PNE – Proposta da Sociedade Brasileira em 1997 (que deu origem a proposta de 2001). Organizada e totalmentecontrolada pelo MEC, a conferência reuniu representações dos empresários, do governo e dos trabalhadores. AConfederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, a Confederação Nacional dos Empresários e aConfederação Nacional da Indústria fizeram parte da Comissão Organizadora da CONAE, certamente esses sindicatos patronais não têm nenhum interesse comum com estudantes, trabalhadores em educação emovimentos sociais. Não têm sequer compromisso com a educação pública e com os interesses dostrabalhadores e do povo pobre brasileiro.
Muitas das entidades do movimento social presentes, CUT, UNE e UBES já não são mais as mesmas. Em 1997,eram parte do movimento social de oposição ao governo, formadoras de opinião crítica aos projetos neoliberais para aeducação. Depois da chegada do PT ao Governo Federal, essas entidades não fizeram uma crítica sequer eapoiaram todos os projetos aprovados nos últimos oito anos, inclusive aqueles que se chocavam diretamentecom o PNE da sociedade brasileira, como é o caso deste novo PNE proposto por Dilma e apoiado pela UNE e UBES.
Mas o pior é que o governo não cumpriu nem as deliberações da conferência controlada por ele próprio! A destinação de 10% do PIB para educação, aprovada pela CONAE, foi solenemente ignorada e no texto do novo PNE entrouapenas uma versão piorada do PNE anterior. Ou seja, o que era para ter sido o investimento anual em educaçãodesde 2007, é a meta do Governo Dilma para 2020. Além disso, o PNE de 2001 definia claramente o percentual aser acrescido a cada ano, 0,5% do PIB nos quatro primeiros anos e 0,6 % em seguida, para atingir a meta dos 7%. O novo PNE estabelecegenericamente o prazo de 10 anos e no artigo 5° ainda abre a possibilidade de reavaliação da meta em 2014.
Enquanto o PNE 2001‐2010 era um documento de 100 páginas dedicado a analisar a educação em seus distintosníveis estabelecendo objetivos e metas extensivas, o novo PNE é um documento de 14 páginas e 20 metas. Agrande maioria delas é uma mera repetição das metas não cumpridas. O objetivo de incluir 30 % dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior em 2010 virou 33% para 2020, sem qualquer balanço do fracasso no atingimento da meta. A erradicação do analfabetismo e o atendimento demetade das crianças de 0 a 3 anos na educação infantil também ficaram para 2020.
Há também aquelas metas que apesar de não cumpridas, foram esquecidas e sequer são citadas no novo PNE,como a oferta de ao menos 40% das vagas do ensino superior nas instituições públicas, combinado com uma série de projetos que beneficiam os empresários da educação privada, como o FIES – sistema de crédito aos alunos nas instituições particulares com benefícios fiscais aos donos das faculdades.
Entretanto, o problema do novo PNE não é simplesmente a insuficiência das metas, mas a incorporação como uma política de Estado de todos os projetos educacionais do governo Lula, que durante os últimos oito anossignificaram uma verdadeira contra reforma da educação no Brasil. Claro que é uma luta histórica do movimento de educação a destinação de 10% do PIB para a educação e não deixaremos de lutar por isso. Porém esse é apenas um dos inúmeros problemas deste PNE. Porque ter 10% do PIB para implementar um projeto de educação que não é o nosso, para aprofundar o Reuni, criar universidades precarizadas e beneficiar ainda mais os tubarões do ensino, nós não queremos.

O Novo PNE é um aprofundamento do Reuni para os próximos 10 anos

O PNE é um grande ataque à educação pública do país, pois, como falamos, incorpora os projetos educacionais nocivos à educação como uma política de Estado, como um projeto a longo prazo. O mais categórico é a incorporação do Reuni, que bem sabemos o desastre que significou. É muito fácil ver as semelhanças entre o decreto e o novo PNE, parece quase que o governo fez crtl C + crtl V. Vejam os trechos do texto do PNE 2010-2020:

Meta 11. Estratégia 11.10 Elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos técnicos de nível médiona rede federal de educação profissional, científica e tecnológica para 90% (noventa por cento) e elevar, nos cursos presenciais, a relação de alunos por professor para 20 (vinte), com base no incremento de programas de assistência estudantil e mecanismos de mobilidade acadêmica.

Meta 12. Estratégia 12.4Elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas para 90% (noventa por cento), ofertar um terço das vagas em cursos noturnos e elevar a relação de estudantes por professor para 18 (dezoito), mediante estratégias de aproveitamento de créditos e inovações acadêmicas que valorizem a aquisição de competências de nível superior.
                Vale a pena voltar e reler o parágrafo primeiro do decreto do REUNI que aborda sobre as metas. Qualquer semelhança com não é mera coincidência. Não precisamos repetir aqui o que representam essas metas pras universidades. Mas notem então que o que era uma meta para as universidades federais se ampliou também para as instituições de ensino médio e técnico, além de se estender para o conjunto dos cursos de graduação das universidades públicas, ou seja, também para as redes estaduais de ensino superior. Ou seja, o PNE avança na implementação do REUNI, aprofundando este modelo de educação no nosso país para os próximos 10 anos. 


                Infelizmenteo REUNI não é o único problema do PNE

                Existem também outros projetos educacionais dos governos Lula e Dilma que são incorporados ao PNE. Vamos a eles:

• SINAES / ENADE

Texto do PNE 2010 – 2020:                                                                              
Meta 13. Estratégia 13.1 Aprofundar e aperfeiçoar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior ‐ SINAES, de que trata a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, fortalecendo as ações de avaliação, regulação e supervisão.
Meta 13. Estratégia 13.2 Ampliar a cobertura do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ‐ ENADE, de modo a que mais estudantes, de mais áreas, sejam avaliados no que diz respeito à aprendizagem resultante da graduação.


A Lei 10861 de 2004 institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e o Exame Nacionalde Desempenho de Estudantes – ENADE como uma das formas de avaliação.O projeto de avaliação foi um dos primeiros passos dados pelo governo na Reforma Universitária, é ummecanismo regulação‐supervisão do governo e considera como critério de avaliação à aplicação dos demaisprojetos da reforma universitária. Assim, serão bem avaliadas as instituições que tiverem boas relações com omercado, conforme determina a Lei e Inovação Tecnológica e o Decreto das Fundações; bom desempenho,entendido como uma competição entre as instituições; responsabilidade social, como fazer parte do ProUni;gestão nos moldes do governo, com maioria de docentes nos conselhos, criação de Conselhos com a participaçãoda “sociedade civil”, etc. O SINAES é portanto um mecanismo de subordinação das universidades aos projetos doGoverno Federal.
O ENADE substituiu o Provão do Governo FHC. É uma prova obrigatória feita por todos os estudantes no início eno final do curso, quem não comparecer não recebe o diploma. O ENADE permite o ranqueamento dasuniversidades, a divulgação dos números é parte do marketing das grandes empresas da educação e muitasfaculdades pagas chegam a dar cursos preparatórios para as provas.


• Expansão do FIES para educação profissional e para a pós graduação

Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 12. Estratégia 12.6 Expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior ‐ FIES, de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, por meio da constituição de fundo garantidor do financiamento de forma a dispensar progressivamente a exigência de fiador.
Meta 11. Estratégia 11.6 Expandir a oferta de financiamento estudantil à educação profissional técnica de nível médio oferecidas em instituições privadas de educação superior.
Meta 14. Estratégia 14.3 Expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior ‐ FIES, de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, à pós‐graduação stricto sensu, especialmente ao mestrado profissional.


O FIES ‐ Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior – FIES foi criado pelo Governo FHC ampliadopelo governo Lula e agora expandido ao nível técnico e à pós graduação pelo novo PNE. É um mecanismo detransferência direta de dinheiro público para o ensino pago. O Governo paga para a instituição privada na formade empréstimo ao estudante, que restitui o valor à caixa econômica federal depois de formado. As instituiçõesprivadas sofrem com altos índices de inadimplência e o FIES, junto com o PROUNI, são fontes de recursos certospara essas empresas e o estudante além de ter acesso a cursos de baixa qualidade ainda se formam com umadívida colossal que os acompanha pelo dobro do tempo do curso (em média 10 anos).



• Novo ENEM

Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 3. Estratégia 3.3 Utilizar exame nacional do ensino médio como critério de acesso à educação superior, fundamentado em matriz de referência do conteúdo curricular do ensino médio e em técnicas estatísticas e psicométricas que permitam a comparabilidade dos resultados do exame.


Utilizar o Exame Nacional do Ensino Médio como critério de acesso ao ensino superior foi um dos últimosprojetos implementados pelo governo Lula. A aplicação do exame foi um desastre logístico, as provas foramroubadas, o SISU (Sistema de Seleção Unificada) divulgou resultados errados, o caderno de respostas foi trocado,etc. Sem dúvida o vestibular precisa acabar, mas a idéia de distribuir todas as vagas entre todos os estudantes dopaís não é menos excludente, nem menos meritocrática. Os melhores passam nas melhores vagas e quem temmais dinheiro tem mais condições de estudar, seja perto, seja longe de casa.
Democratizar o ensino superioratravés de uma nova prova unificada é uma demagogia, não vai à raiz de nenhum dos problemas do ensinosuperior. O que justificam como necessidade do vestibular é a alta competição pelas vagas e o baixíssimo número devagas oferecidas no ensino superior. Enquanto essa contradição se mantiver, nenhuma mudança na forma deseleção resolve o modelo excludente que separa os ingressantes do ensino médio de uma vaga no ensinosuperior. Além disso, a ausência de políticas de assistência estudantil impede ou no mínimo dificulta muito que amobilidade estudantil seja uma realidade para os estudantes de baixa renda. É preciso por isso defender a expansão de vagas nas instituições públicas, em base a um grande investimento de verbas, para dar fim ao vestibular e universalizar o acesso ao ensino superior.


• Mestrado e Doutorado à distância

Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 14. Estratégia 14.4 Expandir a oferta de cursos de pós‐graduação stricto sensu utilizando metodologias, recursos e tecnologias de educação à distância, inclusive por meio do Sistema Universidade Aberta do Brasil ‐ UAB.

A criação da Universidade Aberta do Brasil e com ela milhares de vagas no ensino à distância foi a principal formade expansão do ensino superior nos últimos oito anos. O ensino à distância na rede pública cresceu 10.410%3 e503%4 na rede privada. O PNE segue a mesma lógica e expande o ensino à distância para o mestrado e odoutorado. A comparação neste aspecto entre o novo PNE e o antigo revela as diferenças entre ambos. No PNE2001‐2010, o tema do ensino à distância era tratado no marco do uso de tecnologias para a aprendizagem, ressalvadas explicitamente que as mesmas não deveriam substituir a relação aluno–professor: “A televisão, ovídeo, o rádio e o computador constituem importantes instrumentospedagógicos auxiliaresnão devendo substituir, no entanto, as relações de comunicação e interação direta entre educador e educando.”
Também neste aspecto o governo não cumpriu o PNE anterior, já que substituiu totalmente a interação diretaentre educador e educando, formando milhares de professores e futuramente formará doutores que nuncaentraram numa sala de aula. O novo PNE incorpora e amplia a Universidade Aberta do Brasil. 


• PRONATEC

Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 11. Estratégia 11.5 Ampliar a oferta de matrículas gratuitas de educação profissional técnica de nível médio pelas entidades privadas de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.
               
O número de matrículas no ensino técnico cresceu 74,9 % nos últimos anos, chegando a 1,14 milhão. Essas vagasforam criadas em função das demandas da grande indústria que aumentou com o crescimento econômico. OPRONATEC é um programa elaborado pelo Governo Dilma em parceria com a Confederação Nacional da Indústria(CNI).
A proposta do programa é oferecer bolsas e financiamento estudantil em troca da isenção de impostos. Éuma versão ainda mais privatizante que o PROUNI, com envio direto de dinheiro para o setor privado, nãosomente via isenção de impostos. Através do BNDES, o governo pretende oferecer financiamento ao Sistema S(SENAI, SESC, SESI, SENAC). Em contrapartida os estudantes do ensino médio de escolas públicas poderão fazercursos gratuitos no horário em que não estão na escola. A previsão é atender 1,6 milhão de alunos no programa.

E o movimento estudantil com isso?
                Com tantos problemas nesses projetos, era de se esperar que todo o movimento estudantil organizado estivesse em uma dura luta contra essas medidas. Pois bem, não foi isso que aconteceu. A UNE, entidade estudantil de tanta tradição, esteve na trincheira oposta ao dos estudantes.
                Em 2007 não só apoiaram a aprovação do Reuni nas universidades como lutaram até fisicamente contra todos os estudantes que naquele momento protagonizaram uma onda de ocupações de reitoria para tentar barrar o decreto. A postura agora não é diferente: seguem apoiando o governo de forma incondicional, e dizem que o problema do Reuni é apenas de má administração. Vão agora nessa greve tentar dar uma de lutadores, dizer que apoiam a greve e que lutam por 10% do PIB pra educação. Como lutam por 10% do PIB se apoiam esse PNE, que prevê apenas 7,5% e só para 2020? Como defendem a educação, se negam que o Reuni é um dos maiores ataques à qualidade das nossas universidades? Como representam os estudantes se sempre ficam ao lado do governo?
                A UNE, infelizmente, não serve mais para nos representar... Há muito tempo já perdeu sua real legitimidade e sua personalidade política. Porque preferiu manter uma relação de completa submissão ao governo e se afastar do mundo real da estudantada. Por isso, que agora está enrolada tendo que explicar seus gastos no TCU (Tribunal de Contas da União): porque não tem qualquer independência financeira em relação ao governo. A perda da independência financeira foi um dos grandes motivos para a perda da independência política.
                A ANEL nunca vai dever explicações a ninguém sobre seu dinheiro, apenas aos próprios estudantes. Porque pedágios, livro-ouro, venda de bombons, e qualquer forma de campanha financeira independente, não pode ser alvo de investigação do TCU...
Por se manter firme na independência financeira, a ANEL consegue ter a independência que quiser politicamente. É por isso, que a ANEL sempre estará ao lado dos estudantes de todo o Brasil, lutando contra qualquer projeto que precarize a educação, como é o caso do Reuni e do PNE. É por isso que a ANEL, nessa greve, está todos os dias lutando incansavelmente com os estudantes, lado a lado com os professores e o funcionalismo.
A ANEL é uma grande impulsionadora do Comando Nacional de Greve dos Estudantes e vai jogar todos os seus esforços na sua consolidação e seu funcionamento democrático, pela base. Nos empenharemos em organizar os estudantes em todo o país para conquistar vitórias nessa luta. Com o movimento estudantil livre, podemos conquistar a educação que merecemos.
               
A educação que queremos
Quanto vale a educação nesse país?
É um consenso que a educação não é prioridade no Brasil. Nunca foi. Podemos afirmar isso não por uma impressão abstrata, um sentimento, uma suposição. Esse fato é facilmente confirmado pelo uso do orçamento do governo. Então vamos aos dados. No ano de 2011, de todo o orçamento governamental, apenas 3,9% foi usado para a educação e 49% (isso mesmo, praticamente a metade!) foi usado para pagamento dos juros da dívida pública. Sabe o que isso significa? Que praticamente a metade do nosso dinheiro foi parar nos bolsos dos banqueiros. Ou seja, são esses milionários que são a prioridade do governo e não a educação.
Nos últimos 2 anos, Dilma realizou cortes no orçamento, dizendo que o país tinha que se proteger da crise econômica mundial. Essa crise é fruto da ganância dos ricos e poderosos que, nessa sociedade controlada pelo mercado, fazem o que querem, passam por cima de quem for preciso, para garantir seus lucros. A crise não foi criada pela juventude e pelos trabalhadores. Por que então na hora de “salvar o país da crise” os prejudicados temos que ser nós? Esses cortes no orçamento atingiram fortemente as áreas sociais. Só da educação, somando os dois anos, perdemos 5 bilhões. Mais uma vez: e isso é colocar a educação como prioridade? Toda eleição, os candidatos dizem que vão valorizar a educação, mas na hora da verdade só nos atacam.

                O nosso projeto para a educação
                A ANEL é uma entidade que defende uma outra educação, que seja vista como um direito de todos, e não um privilégio ou uma mercadoria.Que não tem nada a ver com o REUNI ou esse PNE. Por isso, a entidade se coloca contra essas medidas. Defendemos em nosso programa o fim do vestibular e a ampla expansão de vagas na educação superior pública com qualidade no ensino e assistência estudantil. Não devemos escolher entre expansão precarizada ou universidade elitizada, como o governo quer com o REUNI.

Defendemos uma educação de qualidade, que seja pública e gratuita para todos e que sirva aos interesses dos trabalhadores e dos jovens do país. Que produza pesquisa e conhecimento a serviço da melhoria da qualidade de vida da população, e não a serviço do lucro de alguns poucos.
Para que isso ocorra, temos que ter o ensino médio, técnico e superior de qualidade, com investimento público. Defendemos com toda a força a destinação de 10% do PIB para a educação pública já. Importante frisar a palavra pública nessa reivindicação, pois somos contra qualquer desvio de verba pública para salvar os bolsos dos empresários da educação, que tratam a educação como uma mercadoria. E defendemos que as universidades pagas sejam estatizadas e colocadas a serviço de todo o povo brasileiro, e não apenas de quem pode pagar.
As universidades devem ser um local para a ampliação do conhecimento mais amplo, uma escola também de cultura e de diversidade, para criar sujeitos críticos e transformadores. Infelizmente, as universidades servem hoje apenas para a reprodução da sociedade vigente, inclusive reproduzindo em seu interior ideologias nefastas, como o machismo, o racismo e a homofobia. Essas ideologias devem ser expulsas dos meios acadêmicos e o governo tem a obrigação de promover a punição de quem cometer atos discriminatórios. Defendemos também a aplicação das cotas raciais e da promoção de assistência estudantil específica de gênero, para garantir a permanência das mulheres nos estudos, inclusive aquelas que sejam mães. A universidade também incorpora ideologias que sustentam o sistema capitalista e o modelo neoliberal, como o individualismo, a busca pela ascensão profissional acima de tudo, a visão de que a história chegou ao fim e que é imutável. Ideologias que servem para doutrinar consciências na alienação, na incapacidade de enxergar a construção de uma sociedade alternativa ao capitalismo.
É necessário também defender a democratização das universidades e escolas, com eleições diretas para reitores e diretores e com participação paritária dos estudantes nos conselhos dirigentes. Lutamos contra qualquer criminalização dos movimentos sociais e punição a estudantes lutadores. E repudiamos enormemente a presença de PM no interior de nossas escolas e faculdades, que devem garantir a segurança com funcionários vinculados à instituição pública, além de promover iniciativas que possibilitam a circulação maior de pessoas nos campi, com maior iluminação, transporte, atividades culturais, etc.
Queremos ter uma política de assistência estudantil decente, que de fato permita ao estudante permanecer estudando. Moradia em todas as universidades, bandejão e bolsas são coisas que não podem faltar.
Abaixo, colocamos algumas reivindicações para cobrarmos do governo federal:

- Dilma, chega de Reuni! Pela revogação das metas já!
- Não ao PNE! Não queremos mais Reuni! Por um plano nacional da educação elaborado pelo movimento da educação combativo e independente do governo. O que está aí não serve!
- Pela imediata aplicação de 10% do PIB na educação pública. A educação não pode mais esperar!
- Reajuste imediato da bolsa de auxílio estudantil para o valor do salário mínimo. R$ 360,00 não dá pra nada!
- Por um plano emergencial de melhoria da estrutura das universidades e conclusão imediata das obras. Nenhuma aula pode acontecer em container! Não queremos mais campus emprestado! Não podemos mais ver o teto caindo nas nossas cabeças!
- Por um plano emergencial para equipar melhor os laboratórios de estudo! Chega de laboratórios sem material, anatômicos sem peça, educação física sem quadra.
- Contra a privatização dos Hospitais Universitários! Não ao EBSERH! Pelo aumento de investimento público já! Recuperação imediata da excelência da assistência e do ensino dos HUs!
 - Pela democratização das instâncias de decisão das universidades e escolas. Eleições diretas para diretores e reitores! Fim da lista tríplice, resquício da ditadura.
- Paridade nos órgãos colegiados.
- Pela ampliação do investimento em permanência estudantil que garanta assistência universal, gratuita e pública. Assistência estudantil de verdade! Nenhuma universidade sem moradia estudantil! Nenhum campus sem Restaurante Universitário! Transportes intercampi! Creches universitárias integrais e de qualidade para os filhos dos estudantes. Por concursos públicos para garantir esses serviços.
- Por políticas especiais nas universidades e escolas de combate ao machismo, racismo e homofobia. Pelas cotas raciais.
- Fora PM das universidades e escolas! Por uma política de segurança com a abertura de concurso público de guardas universitários, incluindo um contingente de mulheres, controlados pela comunidade acadêmica. Por maior iluminação dos campi e abertura da universidade para a comunidade.
- Contra a criminalização do movimento estudantil e todo tipo de perseguição política! Pela anulação de todos os processos contra estudantes!

Fonte: ANEL

terça-feira, 26 de junho de 2012

Precarização do trabalho e as lutas operárias no Brasil


por Rafael Borges, estudante de Direito e militante da LER-QI

Introdução

A precarização do trabalho em geral e a terceirização em particular, como parte da “reestruturação produtiva” e da ofensiva neoliberal, foram peças fundamentais para a elevação da taxa de exploração do trabalho nas últimas duas décadas do século XX, contribuindo diretamente para a recomposição da taxa de lucro do capital, proporcionando, dessa forma, uma saída, ainda que limitada, para a sua crise nos anos 70.
Em fins dos anos 80, após a derrota do ascenso operário e popular da década anterior, mas sobretudo, na onda neoliberal e privatizante da década de 90, a terceirização e a precarização do trabalho avançaram em larga escala nos serviços, na indústria e até mesmo na Administração Pública.

“Esta “nova ordem” foi imposta sobre a base da derrota do ascenso anterior, e em muitas casos diretamente a partir de ditaduras, o que chamamos de “democracias pós- contra revolucionárias”, mas acima de tudo, teve como base a fratura interna da classe trabalhadora como nunca antes. Junto à tradicional divisão imposta pelo capital entre a classe operária dos países imperialistas e das semicolônias e colônias, se somaram outras que deram lugar, junto à proliferação de desempregados permanentes, ao surgimento de trabalhadores “de segunda categoria” (contratos temporários, subcontratos por empresas “terceirizadas”, trabalhadores sem contrato legal, sem contrato coletivo, “sem registro em carteira”, ou diferentes combinações disso) que conformam quase metade da classe trabalhadora mundial, contrastando com o setor da classe operária “efetiva”, sindicalizada, com salários e condições de trabalho marcadamente superior à média” (Albamonte, Emilio e Maiello, Matias. Nos limites da restauração burguesa. Revista estratégia Internacional Brasil nº 5, 2011, São Paulo.)

No Brasil, entre 1994 e 2002, durante os mandatos de FHC (PSDB), em meio aos processos de privatização das principais estatais brasileiras, as medidas neoliberais e a precarização do trabalho avançam em larga escala. A partir de 2002, no Governo Lula (PT), ao contrário do que levantavam seus ideólogos, a precarização laboral não apenas avança como passa a ser um dos pilares fundamentais de sustentação de um crescimento econômico amplamente dependente do sistema financeiro internacional, das grandes construtoras e da exportação de commodities para a China. Esse crescimento econômico é o que possibilitou ao governo petista impulsionar programas sociais (Bolsa Família), extremamente tímidos se comparados à medidas do “estado de bem estar social” dos EUA e dos países europeus no pós-guerra, que, somado ao prestigio de Lula e a cooptação dos principais sindicatos e entidades de massas, proporciona uma grande estabilidade e garante que as grandes empresas nacionais possam seguir auferindo seus fabulosos lucros num mar de relativa “calmaria” social e política.
Mas essa relativa passividade não pode esconder que hoje, segundo os dados mais recentes, são mais 10 milhões de trabalhadores terceirizados em todo o Brasil. Esse número não inclui os milhões de trabalhadores com contratos temporários (que não entram nesses dados, pois são regulados por lei específica) e principalmente os trabalhadores informais, que formam cerca 30% dos 57 milhões de assalariados brasileiros.
Dessa forma, no “Brasil Potência” de Lula e Dilma, enquanto parte dos assalariados caminha para o abismo se endividando como nunca para viver as maravilhas do “Brasil Potência”, outros milhões de trabalhadores vivem sem os mais mínimos direitos básicos, com salários incompatíveis com os gastos de uma família e em condições de trabalho sub-humanas que se somam a histórica deficiência de moradia e saúde pública de qualidade.

“(...) mesmo com todo o crescimento econômico (com diminuição do desemprego, aumento da renda média e redução da pobreza extrema) que caracterizou o lulismo, o desemprego estrutural e as favelas estão organicamente ligados à ampliação do trabalho precário como parte estrutural do capitalismo brasileiro. Essa relação se estabelece na medida em que a competição gerada pelo exército de mão-de-obra desempregada pressiona para baixo o custo de reprodução da força de trabalho; e as condições precárias e irregulares de moradia contribuem para viabilizar esse rebaixamento ou isentarem os capitalistas de terem que arcar com os custos de uma moradia digna nos salários pagos aos trabalhadores.” (MATOS, Daniel. Entre o gradualismo reformista e as contradições estruturais do país. Revista estratégia Internacional Brasil nº 5, 2011, São Paulo.)


Terceirização: a semiescravidão no século XXI

A terceirização, embora já esteja disseminada em muitas áreas e atividades, se concentra essencialmente nos serviços de limpeza, jardinagem, vigilância e telemarketing, condicionando milhões trabalhadores, na sua grande maioria de pele negra e do sexo feminino, a um regime de trabalho cujas condições são, na maioria dos casos, análogas ao trabalho escravo.
Nos canteiros de obras por todo o Brasil, em especial nas obras do PAC (programa de aceleração do crescimento), dos estádios para a Copa e as Olímpiadas, as grandes Construtoras são responsáveis por manter um “exército” de centenas de milhares de operários que, não seria forçoso dizer, vivem em condições semelhantes aos trabalhadores fabris do século XIX. Nas obras da usina de Jirau, no Estado de Rondônia, os operários, contratados por via da terceirização ou por contratos de subempreitada, oriundos de regiões distantes e contratados sem nenhuma estabilidade, denunciaram, em março de 2011, que cumpriam jornadas de trabalho de mais de 14 horas diárias, não tinham atendimento médico, ficavam mais de 6 meses sem visitarem as famílias, recebiam alimentação estragada, além de sofrerem frequentes assédios e agressões físicas por parte dos seguranças contratados pelas empresas. Tudo isso num canteiro de obra em pleno século XXI e mantido pela Camargo Corrêa, uma das cinco empresas que mais contribuíram financeiramente para a campanha do PT nas últimas eleições.
Quilômetros de distância dos canteiros de obras da Usina de Jirau, na capital paulista, trabalhadoras terceirizadas da Universidade de São Paulo (USP), a maior e mais prestigiada instituição de ensino superior da América Latina, traziam à tona sua verdadeira condição de trabalho. Manuseavam produtos químicos de alto risco sem qualquer proteção, já que nem a empresa prestadora nem a USP forneciam os devidos equipamentos de segurança, eram forçadas a se alimentarem em banheiros (!) e conviviam com constantes assédios e até agressões por parte das chefias. As péssimas condições de trabalho, cujas consequências para a saúde dessas trabalhadoras a Reitoria da USP parece não se importar, são tão precárias que levaram a morte de um trabalhador terceirizado, José Ferreira, que caiu de uma grande altura devido a precariedade de seu equipamento de serviço.
Tais casos não são exceções, essas mesmas situações foram encontradas em muitos outros canteiros de obras e concentrações operárias do país, como no complexo petroquímico de Suape, nas obras da usina de Santo Antônio na região Norte do país e do PAC no estado de Goiás. O trabalho semiescravo, entretanto, não está somente nos canteiros de obras da região Norte e Nordeste do País. A precarização do trabalho também está presente no Estado de São Paulo. São inúmeras as denuncias de trabalhadores, principalmente terceirizados e temporários, que vivem em condições de semiescravidão. Mais recentemente veio à tona a denuncia que a Multinacional Zaira, do setor Têxtil, utilizava mão de obra escrava em suas confecções.
 Nos prédios da Justiça do Trabalho acumulam-se pilhas de processos onde trabalhadores terceirizados, muitas vezes por anos sem receber resposta alguma, reivindicam seus direitos com empresas que sequer existem mais, já que muitas dessas são verdadeiras empresas de fachada que desaparecem na primeira oportunidade.

A Precarização do Trabalho coloca o Brasil no Topo do Ranking de países com mais acidentes e mortes no Trabalho

No Brasil, agora estampado nas capas da imprensa internacional como a sexta economia do mundo, os trabalhadores e povo pobre sofrem cotidianamente com as mortes nas enchentes devido a negligência do governo, com a violência policial que anualmente põem fim na vida de milhares de jovens pobres e negros nas periferias e com a miséria em geral que ainda coloca milhões pessoas abaixo da linha da pobreza. Mas, além disso, há um “genocídio silencioso” que ocorre todos os anos em nosso país. Trata-se dos acidentes de trabalho. Só em 2009 os acidentes de trabalho causaram a morte de 2.496 trabalhadores e deixaram outros 13.047 incapacitados permanentemente. Essas mortes e acidentes são frutos diretos da precarização do trabalho. Os números da última pesquisa realizada sobre terceirização são taxativos: De cada 10 acidentes de trabalho no país 8 são em empresas terceirizadas e a cada 5 mortes em decorrência do trabalho 4 são de trabalhadores terceirizados. 
A terceirização e as precárias subcontratações na construção civil são  verdadeiras “fábricas” de acidentados e pessoas com doenças ocupacionais. A maioria das empresas terceirizadas, para oferecer um serviço a um baixo custo, se furta de utilizar os mínimos equipamentos de segurança ou assegurar as mais elementares condições de higiene, além de manterem uma pressão e um assédio descomunal contra os trabalhadores, contribuindo diretamente para criar um ambiente de trabalho completamente hostil e suscetível de mortes, acidentes, alergias e intoxicação com produtos químicos.
O regime semiescravo que essa “lógica moderna de gestão de recursos humanos” mantém fez com que o Brasil, durante o ano de 2009, ocupasse o terceiro lugar no ranking mundial de países com mais acidentes de trabalho. De 2005 para cá os números só aumentaram. Em 2009 foram mais de 723 mil acidentes registrados. E os números são infinitamente maiores já que quase um terço da classe trabalhadora brasileira está na informalidade e sequer são registradas ocorrências.

Justiça de Classe: O Papel da justiça do Trabalho na legitimação da precarização do 
Trabalho.

Se por um lado a terceirização encontrou na velha legislação trabalhista (CLT) corporativa da década de 40 um relativo obstáculo para sua disseminação, por outro, viu no judiciário trabalhista, regulado por essa mesma legislação, um grande aliado na tarefa de desobstruir todos os empecilhos legais que de alguma maneira inviabilizavam que essa forma de precarização do trabalho avançasse em diversas áreas. A Justiça do trabalho, como parte das engrenagens da democracia burguesa, acompanhou detidamente o avanço do trabalho precário, contribuindo diretamente na criação de uma cobertura legal que proporcionou, inclusive, o avanço da terceirização na Administração pública.
Em 1986, na falta de uma legislação própria, Tribunal Superior do Trabalho, órgão de cúpula da justiça laboral, emitiu seu primeiro enunciado (256) sobre o tema. Tal dispositivo legal abria as portas para a terceirização. Ainda sim, foi considerado insuficiente pelos setores patronais, pois apenas previa a possibilidade de terceirização de algumas profissões estipuladas em lei específica e proibia claramente a terceirização nos serviços públicos, inclusive levantando a hipótese de formação de vinculo de emprego numa eventual contração de terceirizados por parte dos órgãos públicos.
No entanto, mais uma vez a justiça do trabalho decidiu a favor dos setores patronais e, por via do enunciado 331 de 1993, expandiu a possibilidade da terceirização em “atividades-meio” das empresas privadas e também no serviço Público. A definição geral de “atividade-meio”, cuja definição os próprios juristas e ministros do TST divergem, possibilitou um avanço sem precedentes da terceirização. O TST, ao editar o novo enunciado, também tomou o devido “cuidado” de proibir taxativamente qualquer vínculo dos trabalhadores terceirizados com a Administração pública, mesmo que haja contratação irregular ou em atividade fim. 
“Enunciado 331 do TST:
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional”
Dessa forma, a justiça do Trabalho garantiu uma barreira legal contra as reivindicações para incorporação desses trabalhadores terceirizados ao quadro dos funcionários efetivos. Pior, ainda previu que nos casos de inadimplemento de créditos trabalhistas a Administração Pública tem apenas responsabilidade subsidiaria, ou seja, o trabalhador terceirizado só pode ir à juízo contra o poder público após percorrer longo  caminho processual contra a empresa prestadora do serviço. Assim, até mesmo a possibilidade de pleitear seus direitos na justiça do trabalho segue extremamente limitada e demasiadamente morosa.
 Ainda assim, as investidas dos setores patronais e da Justiça do Trabalho contra as condições de trabalho não cessam. Pelo contrário, o cenário internacional turbulento, a partir da crise econômica internacional que hoje tem como epicentro o continente europeu, redobra a necessidade que a burguesia brasileira tem de tomar medidas preparatórias para amenizar suas perdas. A receita, como não poderia ser de outra maneira, é justamente aprofundar as fórmulas que permitam, por via do aumenta da exploração do trabalho, fazer com que sejam os trabalhadores que arquem com a crise desse sistema irracional que a cada dia arrasta mais a humanidade para uma barbárie. Nesse clima de preparação, e de alguma forma também tentando responder aos recentes e cada vez mais constantes conflitos envolvendo trabalhadores terceirizados, o TST realizou, em outubro de 2011, uma audiência pública com o objetivo de chamar setores da “sociedade civil” para debater o tema da terceirização.
Entretanto, os setores da “sociedade civil” para o TST se resumem a dezenas de representantes de entidades patronais que querem o aprofundamento do trabalho terceirizado ou então algumas poucas entidades sindicais, como a CUT, que mantêm um programa de “regularizar” e “controlar” a semiescravidão. Entre os “ilustres” convidados estavam o Sr. Lívio Giosa, representante do Centro Nacional de Modernização Empresarial, além do presidente da Federação Brasileira de Bancos, Murilo Portugal Filho.
Alguns dias depois da Audiência Pública as turmas do TST passaram a interpretar de maneira mais “flexível” o conceito de atividade meio. Fazendo um balanço positivo da audiência, o Jornal Estadão, porta voz de grande parte do empresariado paulista, fala sobre os julgamentos realizados após a Audiência pública e comemora a liberação da terceirização nas empresas de telefonia:
"Com base nas audiências públicas, quando mais de 50 técnicos e acadêmicos se manifestaram a respeito da subcontratação de mão de obra, o TST, que até então considerava o call center uma atividade-fim das empresas de telefonia, começou a rever seu entendimento. Invocando argumentos apresentados nas audiências públicas, a 7.ª Turma, por exemplo, autorizou a Oi a terceirizar seu call center. O relator Ives Gandra da Silva Martins Filho alegou que o telemarketing é um instrumento para a venda de serviços e lembrou que as leis que regulamentam os serviços essenciais admitem subcontratação de mão de obra. (...) Elaborada com base numa ampla e inédita consulta aos interessados, essa mudança de entendimento mostra que o TST vem procurando adequar-se à evolução do mercado de trabalho, por causa dos avanços da tecnologia e da diversificação do setor de serviços." (  Editorial Estadão de 24 de outubro de 2011)

A Revolta dos precarizados: um primeiro exercício.

O crescimento econômico e a calmaria social do lulismo, que permanecem sob o governo de Dilma Rouseff, não foram suficientes para impedir a explosão de lutas de trabalhadores terceirizados e precarizados.
Na construção civil, com os exemplos da luta dos operários de Jirau, Suape, Santo Antônio, usina de Belo Monte, greve dos operários de fortaleza, 2011 mostrou que uma parcela importante do proletariado desse setor não aceitará passivamente as condições de trabalho degradantes a qual as grandes construtoras querem empurrá-los.
Tais lutas, ainda que com programas limitados, foram em geral levadas à cabo com certo nível de espontaneidade, massividade e com métodos radicalizados. Em jirau, durante todo o mês de Março, milhares de operários paralisaram as obras, queimaram ônibus e alojamentos contra as péssimas condições de trabalho encontradas no canteiro de Obra. O governo Dilma só conseguiu “contornar” a situação a partir de um trabalho combinado que contou com uma brutal repressão da força de segurança nacional e com manobras e desvios levados à frente pela burocracia sindical da CUT. Hoje as principais lideranças operárias do conflito estão sendo indiciadas por formação de quadrilha e destruição de patrimônio.
No Estado do Pernambuco, mais de 30 mil operários paralisaram as obras da refinaria Abreu e Lima e da Petroquímica Suape. A luta, que conquistou algumas medidas econômicas mais favoráveis, só foi encerrada após o Tribunal Regional do Trabalho do Estado declarar a greve ilegal. No final de 2011, os trabalhadores das obras da Usina de Belo Monte, combinando-se a inúmeros protestos de movimentos sociais e setores populares devido a remoção de aldeias indígenas, entraram em greve por melhores salários e condições de trabalho.
O ano de 2012 também começa com importantes lutas de trabalhadores terceirizados ou da construção civil. Os operários da obra da Usina Angra 3 fizeram 6 dias de paralisação, inclusive com propostas e ações por fora do sindicato (força Sindical). Em Janeiro mais de 8 mil operários  que trabalham na construção da indústria Eldorado, em Três lagoas (MS), levaram uma importante luta por melhores condições de Trabalho. Mais recentemente os trabalhadores da obra do Estádio “Arena Pernambuco”, a 19 Km de Recife, paralisaram o trabalho no canteiro também reivindicando melhores salários e condições de trabalho. Mesmo sem a anuência do sindicato e com o Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco julgando a greve ilegal os trabalhadores demostram, até o momento que escrevemos essas linhas, uma importante disposição de seguir paralisados.
Esse extenso rol de lutas operárias num lapso temporal relativamente pequeno deixam claro a disposição de luta desse setor de trabalhadores precarizados que não querem ficar de fora das beneficies do crescimento econômico dos últimos anos e muito menos suportar as condições de semiescravidão que empresas como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, entre outras, se utilizam para manter suas altas taxas de lucro. Essas movimentações, ainda iniciais, dispersas e com programa limitado, são os primeiros exercícios de uma longa ginástica da luta de classe que pode se aprofundar na medida em que a crise internacional impacte o dependente crescimento econômico brasileiro.

A Burocracia Sindical e a precarização do Trabalho

Não é possível uma compreensão completa do avanço da terceirização e do trabalho precário sem destacar o papel da burocracia sindical cuja parcela mais degradada e atrelada à patronal, como a Força Sindical, conseguiu, além dos milhões de reais que já absorvem por via do imposto sindical, fazer rios de dinheiro atuando em cooperação com as empresas prestadoras de serviços terceirizados. Em muitos casos, os próprios burocratas sindicais tem participação no capital dessas empresas ou então contribuem arregimentando os trabalhadores para tais “empresas-máfias”.
Já outra parcela da burocracia sindical, como a CUT, ainda que evita uma colaboração em tal grau com as patronais, mantém uma relação completamente conivente com a terceirização e totalmente passiva no que diz respeito à mobilização dos terceirizados em unidade com os trabalhadores efetivos. Não a toa que a resposta que a CUT dá contra a terceirização é impulsionar um projeto de Lei, por via de seus parlamentares, que tem por objetivo a regulamentação da terceirização.
O deputado Vicentinho (PT), reconhecido burocrata sindical da CUT, foi o responsável por apresentar o projeto de Lei que tramita já alguns anos na Câmara Federal que tem por objetivo proibir a terceirização das atividades fim das empresas e abrir completamente as portas para a terceirização nas atividades meio. Em outras palavras, a CUT não vê problema que milhões de trabalhadores dos setores de limpeza, vigilância, telemarketing, jardinagem etc., sigam ganhando três ou quatro vezes menos que seus colegas efetivos e sem inúmeros diretos trabalhistas básicos.
Em realidade, a “grande” novidade que a lei proposta pelos dirigentes da CUT traz é a inversão da responsabilidade subsidiária da Administração Pública para uma responsabilidade solidária. Dessa forma o trabalhador terceirizado, que continuaria em empregos precários, com salários menores, sem direitos, sem liberdade de organização sindical e política teria a chance de propor uma ação contra a empresa e a Administração Pública concomitantemente.
O projeto de Lei da CUT é uma verdadeira regulamentação da semiescravidão. Não dá qualquer saída para resolver as péssimas condições de trabalho a qual milhões de trabalhadores terceirizados estão submetidos. E de fato não poderia ser diferente já que essa Central se constitui há muito tempo numa verdadeira correia de transmissão dos interesses e propostas da burguesia para o movimento operário. Com toda certeza, para avançar contra o trabalho precário os trabalhadores que hoje saem a lutar nos canteiros de obra pelo extenso território brasileiro necessitam saber quem são seus aliados. Definitivamente, a CUT com seu projeto de regulamentar a semiescravidão e seus profundos laços com o governo federal e muito menos a Força sindical, completamente ligada a Patronal, não estão nesse campo.


O exemplo da luta das trabalhadoras terceirizadas da USP e o papel dos sindicatos classista.

Durante o mês de março de 2011, mais de 400 trabalhadores terceirizados da empresa União, na sua quase totalidade mulheres e negras, protagonizaram uma importante luta que, sem sombra de dúvidas, marcou a história recente da Universidade de São Paulo (USP).
Após o atraso no pagamento dos salários e de outros benefícios centenas de mulheres decidiram não somente sair à luta, mas também expor toda situação precária a qual eram obrigadas a suportar. Atraso nos salários, falta de equipamentos de segurança, assédios morais e sexuais por parte das chefias eram parte da extensa lista de brutalidades que a empresa União e a administração da USP destinavam a essas trabalhadoras.
Com o apoio e a direção do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP), em particular pela atuação da sua ala minoritária composta pelos revolucionários da Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional (LER-QI), as trabalhadoras da União lançaram mãos dos  clássicos e históricos métodos de luta do proletariado: Greve, piquetes na Reitoria e marchas. Logo apareceram destacadas e combativas lideranças no movimento que tomaram a direção do conflito junto ao SINTUSP, sindicato cujo programa classista e não corporativo dá destaque na luta pela unidade das fileiras operárias a partir de levantar o programa de incorporação dos trabalhadores terceirizados ao quadro de efetivos sem a necessidade de concurso público.
Exatamente por levantar um programa combativo e de independência de classe o SINTUSP e seus dirigente têm sido vítima de inúmeras investidas por parte da Reitoria e do Governo do PSDB. Sem sombra de dúvida o exemplo mais taxativo é a demissão do dirigente Claudionor Brandão. A Reitoria da USP, numa verdadeira “monstruosidade” jurídica e num impressionante desrespeito aos princípios e garantias consubstanciados na Constituição Federal de 1988, demitiu Brandão, sem sequer realizar um inquérito judicial de apuração de falta grave como manda a CLT, alegando que este defendeu “interesses alheios” à universidade. Tais “interesses alheios”, cuja explicação a Reitoria da USP omite, tratava-se de centenas de trabalhadores terceirizados da USP com os quais Brandão reivindicava seus direitos e salários atrasados.
De todo modo, esses ataques não impediram que o SINTUSP seguisse firme na sua luta contra a precarização do trabalho dentro da USP. A combinação de um programa que levantava um questionamento mais profundo da precarização do trabalho com os métodos de lutas da classe operária, e o imprescindível apoio de um importante setor de estudantes, formando uma verdadeira aliança operário-estudantil, foi fundamental para dar visibilidade à luta das trabalhadoras da União e obrigar a Reitoria a realizar o feito inédito de realizar o pagamento dos salários não pagos pela empresa União.
Como numa verdadeira “escola de guerra” essas trabalhadoras passaram por experiências fundamentais. Viram e repudiaram o papel nefasto da burocracia sindical. Perceberam a importância dos métodos de luta e de auto-organização dos trabalhadores, assim como, da necessidade da busca de aliados, como foram os estudantes da USP e alguns intelectuais de esquerda. Passaram a compreender a importância de não cessar a luta com os pagamentos e levantar o programa de incorporação sem concurso público. E por fim tiveram a oportunidade conhecer sua própria história, a história da classe operária mundial, ao participar da nutrida coluna do ato do 1º de maio da LER-QI.
O exemplo da luta das trabalhadoras terceirizadas da empresa União mostra que apenas o programa de incorporação dos terceirizados aos quadros efetivos, com mesmos salários e direitos, em contraposição direta ao programa de regulamentação da terceirização, pode, combinado com os históricos métodos de luta operário que dobram a vontade da burguesia, acabar com a semiescravidão do século XXI e abrir portas para uma luta resoluta dos trabalhadores contra as investidas que o capital arma e prepara para jogar o custo da crise em suas costas.
Nessa luta ganha destaque fundamental a batalha por sindicatos classistas e independentes da patronal e do governo. Assim como também elementos de auto-organização local que possam abrir suas portas para a atuação conjunta de terceirizados e efetivos. Já em 1938, Trotsky explicava a importância das comissões de fábrica como via de alcançar os setores mais explorados da classe:
“Os sindicatos, mesmo os mais poderosos, não abarcam mais de 20% a 25% da classe operária, que, aliás, formam as camadas mais qualificadas e melhor pagas. A maioria da classe operária não é arrastada à luta a não ser episodicamente nos períodos de um excepcional auge do movimento operário. Nesses momentos é necessário criar organizações ad hoc que abarquem toda a massa em luta: os comitês de greve, os comitês de fábrica e, enfim, os soviets”
As recentes lutas explosivas dos setores precarizado mostra a necessidade de que as organizações sindicais combativas, em primeiro lugar a Central Sindical e Popular Conlutas, assim como os sindicatos que compõem, passem a levantar abertamente o programa de incorporação dos terceirizados (sem a necessidade de concursos no caso dos serviços públicos), denunciando as manobras de regulamentação da terceirização da Força Sindical e da CUT, impulsionando comissões de fábrica independentes que reúna efetivos e terceirizados.