terça-feira, 5 de junho de 2012

León Trotsky - As tarefas da educação comunista (1922

O “NOVO HOMEM” E O REVOLUCIONÁRIO


















Afirma-se freqüentemente que a tarefa de esclarecimento comunista consiste na educação do novo homem. Estas palavras são demasiadamente genéricas, demasiadamente patéticas, e devemos ser particularmente cuidadosos para não permitirmos qualquer interpretação humanitária amorfa da noção de “novo homem” ou das tarefas da educação comunista. Não existem dúvidas, entretanto, de que o homem do futuro, o cidadão da comuna, será uma figura extremamente interessante e atraente, e de que a sua psicologia (os futuristas que me perdoem, mas insisto que o homem do futuro possuirá uma psicologia)[2] será muito distinta da nossa. Nossa tarefa presente, infelizmente, não pode repousar na educação do ser humano do futuro. A perspectiva utópica e “humanitário-psicológica” é a de que o novo homem deve primeiro ser formado e de que depois, então, ele criará as novas condições [de vida]. Não podemos acreditar nisso. Nós sabemos que o homem é produto das condições sociais. Mas sabemos também que, entre os seres-humanos e as condições objetivas, existe um complicada e ativa interação mútua. O próprio homem é um instrumento deste desenvolvimento histórico, e não é o menos importante.  E nesta complexa ação histórica reflexa, das condições vividas por seres-humanos reais, nós não criamos abstratamente os cidadãos harmoniosos e perfeitos da comuna, mas formamos os homens concretos de nossa época, que ainda têm de lutar pela criação das condições a partir das quais este harmonioso cidadão da comuna possa emergir. Isso, é claro, é algo muito distinto, pela simples razão de que o nosso bisneto, o cidadão da comuna, não será um revolucionário.

Ao primeiro olhar, a proposição acima parece errada, soa quase como um insulto. Entretanto, assim é. A noção de “revolucionário” é formada por nós a partir de nossos pensamentos e desejos, da totalidade de nossas melhores paixões, e, assim, a palavra “revolucionário” é permeada pelos mais elevados ideais morais que remetem a toda uma época precedente da evolução cultural. Assim, parece-nos que lançamos uma calúnia em nossa posteridade quando não pensamos neles como revolucionários. Mas não nos devemos esquecer de que o revolucionário é um produto de condições históricas definidas, um produto da sociedade de classes. O revolucionário não é uma abstração psicológica. A Revolução em si mesma não é nenhum princípio abstrato, mas um fato histórico material, oriunda do antagonismo de classes, da violenta sujeição de uma classe à outra. Assim, o revolucionário é um tipo histórico concreto e, em conseqüência, um tipo temporário. Nós temos orgulho de pertencer a ele. Mas, pelo nosso trabalho, estamos criando as condições de uma ordem social na qual não existirão antagonismos de classe, nem revoluções, e tampouco revolucionários. É verdade que podemos expandir o significado da palavra “revolucionário” até que ela compreenda toda a atividade consciente do homem dirigida à subordinação da natureza e à expansão dos ganhos técnicos e culturais. Mas não temos o direito de fazer uma abstração deste tipo, uma tal ilimitada extensão do conceito “revolucionário”, porque ainda não cumprimos de forma alguma nossa tarefa histórica revolucionária concreta, a destruição da sociedade de classes. Conseqüentemente, estamos longe de termos que educar o harmonioso cidadão da comuna, formando-o por um minucioso trabalho de laboratório, em um estágio transitório extremamente desarmonioso da sociedade. Esta empreitada seria uma Utopia miseravelmente infantil. O que queremos fazer são campeões [champions], revolucionários, que herdarão e completarão nossas tradições históricas, que ainda não conduzimos a um desfecho.


REVOLUÇÃO E MISTICISMO
Quais as principais características de um revolucionário? É preciso enfatizar que não temos o direito de separar o revolucionário da base de classe sobre a qual ele evoluiu, e sem a qual não é nada. O revolucionário de nossa época, que só pode ser associado à classe trabalhadora, possui suas características psicológicas especiais, características de intelecto e vontade. Se necessário e possível, o revolucionário quebra os obstáculos históricos, recorrendo à força para seus propósitos. Se isso não é possível, então ele empreende um desvio, enfraquece e esmaga, com paciência e determinação. Ele é um revolucionário porque não teme quebrar tais obstáculos e empregar a força incansavelmente; e ao mesmo tempo sabe de seu valor histórico. É seu constante esforço manter seu trabalho destrutivo e criativo no ponto máximo de atividade, que é obter de cada momento histórico dado o máximo que ele é capaz de produzir para o avanço do movimento da classe revolucionária.

O revolucionário conhece apenas obstáculos externos para sua atividade, não internos. Isso é: ele tem de desenvolver dentro de si a capacidade de estimar a arena da sua atividade em toda a sua concretude, com seus aspectos positivos e negativos, e encontrar um equilíbrio político correto. Mas se ele é internamente impedido de agir por obstáculos subjetivos, se a ele falta entendimento ou força de vontade, se ele é paralisado por discordâncias internas, por preconceitos religiosos, nacionais ou corporativos, então ele é, no melhor dos casos, um revolucionário pela metade. Já existem obstáculos objetivos suficientes, e o revolucionário não pode se permitir o luxo de multiplicar as barreiras e fricções objetivas pelas subjetivas. Portanto, a educação do revolucionário deve, acima de tudo, consistir em sua emancipação destes resíduos de ignorância e superstição, que são freqüentemente encontrados em uma consciência muito "sensível". E, assim, adotamos uma atitude implacável em relação a quem pronuncia uma única palavra no sentido de que o misticismo ou sentimentalismo religioso podem ser combinados com o comunismo. A religiosidade é inconciliável com a perspectiva marxista. Somos da opinião de que o ateísmo, como um elemento inseparável do ponto de vista materialista, é condição necessária para a educação teórica do revolucionário. Aquele que crê em outro mundo não é capaz de concentrar toda a sua paixão na transformação deste.

DARWINISMO E MARXISMO
Ainda que Darwin, como ele próprio afirmou, não houvesse perdido sua crença em Deus apesar de toda sua rejeição à teoria bíblica da criação, o darwinismo em si, no entanto, é inteiramente incompatível com essa crença. Neste, e em outros aspectos, o darwinismo foi precursor, uma preparação para o marxismo. Tomado em sentido materialista e dialético amplos, o marxismo é a aplicação do darwinismo à sociedade humana. O liberalismo da escola de Manchester procurou encaixar o darwinismo mecanicamente na sociologia. Tais esforços apenas levaram à analogias infantis, disfarçando uma maliciosa apologia burguesa: a competição explicada por Marx foi apresentada [pela escola] como a ”eterna” lei da luta pela existência. Estas coisas são absurdas. É apenas a conexão interna entre darwinismo e marxismo que torna possível compreender o fluxo de vida do ser em sua primeira conexão com a natureza inorgânica; em sua posterior particularização e evolução; em sua dinâmica; na diferenciação das necessidades da vida entre as primeiras variedades elementares dos reinos vegetal e animal; nas suas lutas; no aparecimento do “primeiro” homem ou criatura humanóide, fazendo uso da primeira ferramenta; no desenvolvimento da cooperação primitiva, empregando órgãos associativos; na posterior estratificação da sociedade, conseqüência do desenvolvimento dos meios de produção, ou seja, dos meios de sujeição da natureza; na luta de classes; e, finalmente, na luta pela superação das classes.
   
Compreender o mundo a partir desta ampla perspectiva significa a emancipação da consciência humana pela primeira vez dos resíduos do misticismo, e a obtenção de uma posição firme.  Significa ser bastante claro sobre o ponto de que para o futuro não existem obstáculos interiores subjetivos para a luta, mas que os únicos obstáculos e reações existentes são externos, e têm de ser superados de várias maneiras, de acordo com as condições do conflito.
Quão frequentemente dissemos: “A prática ganha no final”. A frase está correta no sentido de que a experiência coletiva de uma classe, e de toda a humanidade, gradualmente afasta as ilusões e falsas teorias baseadas em generalizações apressadas. Mas pode ser dito, com igual verdade: “A teoria ganha no final”, quando por isto entendemos que a teoria compreende a experiência total da humanidade. Vista desta perspectiva, a oposição entre teoria e prática desaparece, porque a teoria não é nada mais do que a prática corretamente considerada e generalizada. A teoria não derrota a prática, mas a atitude inconsiderada, empírica e crua em relação a ela. A fim de sermos capazes de estimar adequadamente as condições da luta, a situação da nossa própria classe, devemos possuir um método confiável de orientação política e histórica. Isto é o marxismo ou, com respeito à época atual, o leninismo.
   
Marx e Lênin – estes são nossos dois supremos guias na esfera da análise social. Para a nova geração, o caminho para Marx passa por Lênin. A estrada em linha reta torna-se cada vez mais difícil, pois o período que separa a nova geração da genialidade daqueles que fundaram o socialismo científico, Marx e Engels, é muito longo. O leninismo é a incorporação e condensação mais elevada do marxismo para a ação revolucionária direta na época da agonia de morte imperialista da sociedade burguesa. O Instituto Lênin, em Moscou, deve ser feito uma academia superior de estratégia revolucionária. Nosso Partido Comunista é permeado pelo poderoso espírito de Lênin. Seu gênio revolucionário está conosco. Nosso pulmões revolucionários respiram a atmosfera daquela melhor e superior doutrina que o desenvolvimento precedente do pensamento humano criou. Por isso estamos convencidos de que o amanhã nos pertence.


[1] The tasks of communist education, palestra transcrita por Brian Reid e publicada originalmente no periódico britânico The Communist Review. Disponível em:http://marxists.org/history/international/comintern/sections/britain/periodicals/communist_review/1923/7/com_ed.htm. Trad. Thyago Villela e André Acier.  
[2] Trotsky refere-se às teorias da “biomecânica”, inspiradas no advento do taylorismo norte-americano, desenvolvidas por um setor dos futuristas russos e posteriormente pelos construtivistas/produtivistas russos. Alexei Gastev, engenheiro e poeta bolchevique, expoente mais radical desta teoria, elaborou, em 1922, acerca de uma sociedade em que homem e máquina se fundiriam (e, logo, a psicologia humana tal como a conhecemos, seria abandonada historicamente). Nota dos tradutores.

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