terça-feira, 26 de junho de 2012

Precarização do trabalho e as lutas operárias no Brasil


por Rafael Borges, estudante de Direito e militante da LER-QI

Introdução

A precarização do trabalho em geral e a terceirização em particular, como parte da “reestruturação produtiva” e da ofensiva neoliberal, foram peças fundamentais para a elevação da taxa de exploração do trabalho nas últimas duas décadas do século XX, contribuindo diretamente para a recomposição da taxa de lucro do capital, proporcionando, dessa forma, uma saída, ainda que limitada, para a sua crise nos anos 70.
Em fins dos anos 80, após a derrota do ascenso operário e popular da década anterior, mas sobretudo, na onda neoliberal e privatizante da década de 90, a terceirização e a precarização do trabalho avançaram em larga escala nos serviços, na indústria e até mesmo na Administração Pública.

“Esta “nova ordem” foi imposta sobre a base da derrota do ascenso anterior, e em muitas casos diretamente a partir de ditaduras, o que chamamos de “democracias pós- contra revolucionárias”, mas acima de tudo, teve como base a fratura interna da classe trabalhadora como nunca antes. Junto à tradicional divisão imposta pelo capital entre a classe operária dos países imperialistas e das semicolônias e colônias, se somaram outras que deram lugar, junto à proliferação de desempregados permanentes, ao surgimento de trabalhadores “de segunda categoria” (contratos temporários, subcontratos por empresas “terceirizadas”, trabalhadores sem contrato legal, sem contrato coletivo, “sem registro em carteira”, ou diferentes combinações disso) que conformam quase metade da classe trabalhadora mundial, contrastando com o setor da classe operária “efetiva”, sindicalizada, com salários e condições de trabalho marcadamente superior à média” (Albamonte, Emilio e Maiello, Matias. Nos limites da restauração burguesa. Revista estratégia Internacional Brasil nº 5, 2011, São Paulo.)

No Brasil, entre 1994 e 2002, durante os mandatos de FHC (PSDB), em meio aos processos de privatização das principais estatais brasileiras, as medidas neoliberais e a precarização do trabalho avançam em larga escala. A partir de 2002, no Governo Lula (PT), ao contrário do que levantavam seus ideólogos, a precarização laboral não apenas avança como passa a ser um dos pilares fundamentais de sustentação de um crescimento econômico amplamente dependente do sistema financeiro internacional, das grandes construtoras e da exportação de commodities para a China. Esse crescimento econômico é o que possibilitou ao governo petista impulsionar programas sociais (Bolsa Família), extremamente tímidos se comparados à medidas do “estado de bem estar social” dos EUA e dos países europeus no pós-guerra, que, somado ao prestigio de Lula e a cooptação dos principais sindicatos e entidades de massas, proporciona uma grande estabilidade e garante que as grandes empresas nacionais possam seguir auferindo seus fabulosos lucros num mar de relativa “calmaria” social e política.
Mas essa relativa passividade não pode esconder que hoje, segundo os dados mais recentes, são mais 10 milhões de trabalhadores terceirizados em todo o Brasil. Esse número não inclui os milhões de trabalhadores com contratos temporários (que não entram nesses dados, pois são regulados por lei específica) e principalmente os trabalhadores informais, que formam cerca 30% dos 57 milhões de assalariados brasileiros.
Dessa forma, no “Brasil Potência” de Lula e Dilma, enquanto parte dos assalariados caminha para o abismo se endividando como nunca para viver as maravilhas do “Brasil Potência”, outros milhões de trabalhadores vivem sem os mais mínimos direitos básicos, com salários incompatíveis com os gastos de uma família e em condições de trabalho sub-humanas que se somam a histórica deficiência de moradia e saúde pública de qualidade.

“(...) mesmo com todo o crescimento econômico (com diminuição do desemprego, aumento da renda média e redução da pobreza extrema) que caracterizou o lulismo, o desemprego estrutural e as favelas estão organicamente ligados à ampliação do trabalho precário como parte estrutural do capitalismo brasileiro. Essa relação se estabelece na medida em que a competição gerada pelo exército de mão-de-obra desempregada pressiona para baixo o custo de reprodução da força de trabalho; e as condições precárias e irregulares de moradia contribuem para viabilizar esse rebaixamento ou isentarem os capitalistas de terem que arcar com os custos de uma moradia digna nos salários pagos aos trabalhadores.” (MATOS, Daniel. Entre o gradualismo reformista e as contradições estruturais do país. Revista estratégia Internacional Brasil nº 5, 2011, São Paulo.)


Terceirização: a semiescravidão no século XXI

A terceirização, embora já esteja disseminada em muitas áreas e atividades, se concentra essencialmente nos serviços de limpeza, jardinagem, vigilância e telemarketing, condicionando milhões trabalhadores, na sua grande maioria de pele negra e do sexo feminino, a um regime de trabalho cujas condições são, na maioria dos casos, análogas ao trabalho escravo.
Nos canteiros de obras por todo o Brasil, em especial nas obras do PAC (programa de aceleração do crescimento), dos estádios para a Copa e as Olímpiadas, as grandes Construtoras são responsáveis por manter um “exército” de centenas de milhares de operários que, não seria forçoso dizer, vivem em condições semelhantes aos trabalhadores fabris do século XIX. Nas obras da usina de Jirau, no Estado de Rondônia, os operários, contratados por via da terceirização ou por contratos de subempreitada, oriundos de regiões distantes e contratados sem nenhuma estabilidade, denunciaram, em março de 2011, que cumpriam jornadas de trabalho de mais de 14 horas diárias, não tinham atendimento médico, ficavam mais de 6 meses sem visitarem as famílias, recebiam alimentação estragada, além de sofrerem frequentes assédios e agressões físicas por parte dos seguranças contratados pelas empresas. Tudo isso num canteiro de obra em pleno século XXI e mantido pela Camargo Corrêa, uma das cinco empresas que mais contribuíram financeiramente para a campanha do PT nas últimas eleições.
Quilômetros de distância dos canteiros de obras da Usina de Jirau, na capital paulista, trabalhadoras terceirizadas da Universidade de São Paulo (USP), a maior e mais prestigiada instituição de ensino superior da América Latina, traziam à tona sua verdadeira condição de trabalho. Manuseavam produtos químicos de alto risco sem qualquer proteção, já que nem a empresa prestadora nem a USP forneciam os devidos equipamentos de segurança, eram forçadas a se alimentarem em banheiros (!) e conviviam com constantes assédios e até agressões por parte das chefias. As péssimas condições de trabalho, cujas consequências para a saúde dessas trabalhadoras a Reitoria da USP parece não se importar, são tão precárias que levaram a morte de um trabalhador terceirizado, José Ferreira, que caiu de uma grande altura devido a precariedade de seu equipamento de serviço.
Tais casos não são exceções, essas mesmas situações foram encontradas em muitos outros canteiros de obras e concentrações operárias do país, como no complexo petroquímico de Suape, nas obras da usina de Santo Antônio na região Norte do país e do PAC no estado de Goiás. O trabalho semiescravo, entretanto, não está somente nos canteiros de obras da região Norte e Nordeste do País. A precarização do trabalho também está presente no Estado de São Paulo. São inúmeras as denuncias de trabalhadores, principalmente terceirizados e temporários, que vivem em condições de semiescravidão. Mais recentemente veio à tona a denuncia que a Multinacional Zaira, do setor Têxtil, utilizava mão de obra escrava em suas confecções.
 Nos prédios da Justiça do Trabalho acumulam-se pilhas de processos onde trabalhadores terceirizados, muitas vezes por anos sem receber resposta alguma, reivindicam seus direitos com empresas que sequer existem mais, já que muitas dessas são verdadeiras empresas de fachada que desaparecem na primeira oportunidade.

A Precarização do Trabalho coloca o Brasil no Topo do Ranking de países com mais acidentes e mortes no Trabalho

No Brasil, agora estampado nas capas da imprensa internacional como a sexta economia do mundo, os trabalhadores e povo pobre sofrem cotidianamente com as mortes nas enchentes devido a negligência do governo, com a violência policial que anualmente põem fim na vida de milhares de jovens pobres e negros nas periferias e com a miséria em geral que ainda coloca milhões pessoas abaixo da linha da pobreza. Mas, além disso, há um “genocídio silencioso” que ocorre todos os anos em nosso país. Trata-se dos acidentes de trabalho. Só em 2009 os acidentes de trabalho causaram a morte de 2.496 trabalhadores e deixaram outros 13.047 incapacitados permanentemente. Essas mortes e acidentes são frutos diretos da precarização do trabalho. Os números da última pesquisa realizada sobre terceirização são taxativos: De cada 10 acidentes de trabalho no país 8 são em empresas terceirizadas e a cada 5 mortes em decorrência do trabalho 4 são de trabalhadores terceirizados. 
A terceirização e as precárias subcontratações na construção civil são  verdadeiras “fábricas” de acidentados e pessoas com doenças ocupacionais. A maioria das empresas terceirizadas, para oferecer um serviço a um baixo custo, se furta de utilizar os mínimos equipamentos de segurança ou assegurar as mais elementares condições de higiene, além de manterem uma pressão e um assédio descomunal contra os trabalhadores, contribuindo diretamente para criar um ambiente de trabalho completamente hostil e suscetível de mortes, acidentes, alergias e intoxicação com produtos químicos.
O regime semiescravo que essa “lógica moderna de gestão de recursos humanos” mantém fez com que o Brasil, durante o ano de 2009, ocupasse o terceiro lugar no ranking mundial de países com mais acidentes de trabalho. De 2005 para cá os números só aumentaram. Em 2009 foram mais de 723 mil acidentes registrados. E os números são infinitamente maiores já que quase um terço da classe trabalhadora brasileira está na informalidade e sequer são registradas ocorrências.

Justiça de Classe: O Papel da justiça do Trabalho na legitimação da precarização do 
Trabalho.

Se por um lado a terceirização encontrou na velha legislação trabalhista (CLT) corporativa da década de 40 um relativo obstáculo para sua disseminação, por outro, viu no judiciário trabalhista, regulado por essa mesma legislação, um grande aliado na tarefa de desobstruir todos os empecilhos legais que de alguma maneira inviabilizavam que essa forma de precarização do trabalho avançasse em diversas áreas. A Justiça do trabalho, como parte das engrenagens da democracia burguesa, acompanhou detidamente o avanço do trabalho precário, contribuindo diretamente na criação de uma cobertura legal que proporcionou, inclusive, o avanço da terceirização na Administração pública.
Em 1986, na falta de uma legislação própria, Tribunal Superior do Trabalho, órgão de cúpula da justiça laboral, emitiu seu primeiro enunciado (256) sobre o tema. Tal dispositivo legal abria as portas para a terceirização. Ainda sim, foi considerado insuficiente pelos setores patronais, pois apenas previa a possibilidade de terceirização de algumas profissões estipuladas em lei específica e proibia claramente a terceirização nos serviços públicos, inclusive levantando a hipótese de formação de vinculo de emprego numa eventual contração de terceirizados por parte dos órgãos públicos.
No entanto, mais uma vez a justiça do trabalho decidiu a favor dos setores patronais e, por via do enunciado 331 de 1993, expandiu a possibilidade da terceirização em “atividades-meio” das empresas privadas e também no serviço Público. A definição geral de “atividade-meio”, cuja definição os próprios juristas e ministros do TST divergem, possibilitou um avanço sem precedentes da terceirização. O TST, ao editar o novo enunciado, também tomou o devido “cuidado” de proibir taxativamente qualquer vínculo dos trabalhadores terceirizados com a Administração pública, mesmo que haja contratação irregular ou em atividade fim. 
“Enunciado 331 do TST:
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional”
Dessa forma, a justiça do Trabalho garantiu uma barreira legal contra as reivindicações para incorporação desses trabalhadores terceirizados ao quadro dos funcionários efetivos. Pior, ainda previu que nos casos de inadimplemento de créditos trabalhistas a Administração Pública tem apenas responsabilidade subsidiaria, ou seja, o trabalhador terceirizado só pode ir à juízo contra o poder público após percorrer longo  caminho processual contra a empresa prestadora do serviço. Assim, até mesmo a possibilidade de pleitear seus direitos na justiça do trabalho segue extremamente limitada e demasiadamente morosa.
 Ainda assim, as investidas dos setores patronais e da Justiça do Trabalho contra as condições de trabalho não cessam. Pelo contrário, o cenário internacional turbulento, a partir da crise econômica internacional que hoje tem como epicentro o continente europeu, redobra a necessidade que a burguesia brasileira tem de tomar medidas preparatórias para amenizar suas perdas. A receita, como não poderia ser de outra maneira, é justamente aprofundar as fórmulas que permitam, por via do aumenta da exploração do trabalho, fazer com que sejam os trabalhadores que arquem com a crise desse sistema irracional que a cada dia arrasta mais a humanidade para uma barbárie. Nesse clima de preparação, e de alguma forma também tentando responder aos recentes e cada vez mais constantes conflitos envolvendo trabalhadores terceirizados, o TST realizou, em outubro de 2011, uma audiência pública com o objetivo de chamar setores da “sociedade civil” para debater o tema da terceirização.
Entretanto, os setores da “sociedade civil” para o TST se resumem a dezenas de representantes de entidades patronais que querem o aprofundamento do trabalho terceirizado ou então algumas poucas entidades sindicais, como a CUT, que mantêm um programa de “regularizar” e “controlar” a semiescravidão. Entre os “ilustres” convidados estavam o Sr. Lívio Giosa, representante do Centro Nacional de Modernização Empresarial, além do presidente da Federação Brasileira de Bancos, Murilo Portugal Filho.
Alguns dias depois da Audiência Pública as turmas do TST passaram a interpretar de maneira mais “flexível” o conceito de atividade meio. Fazendo um balanço positivo da audiência, o Jornal Estadão, porta voz de grande parte do empresariado paulista, fala sobre os julgamentos realizados após a Audiência pública e comemora a liberação da terceirização nas empresas de telefonia:
"Com base nas audiências públicas, quando mais de 50 técnicos e acadêmicos se manifestaram a respeito da subcontratação de mão de obra, o TST, que até então considerava o call center uma atividade-fim das empresas de telefonia, começou a rever seu entendimento. Invocando argumentos apresentados nas audiências públicas, a 7.ª Turma, por exemplo, autorizou a Oi a terceirizar seu call center. O relator Ives Gandra da Silva Martins Filho alegou que o telemarketing é um instrumento para a venda de serviços e lembrou que as leis que regulamentam os serviços essenciais admitem subcontratação de mão de obra. (...) Elaborada com base numa ampla e inédita consulta aos interessados, essa mudança de entendimento mostra que o TST vem procurando adequar-se à evolução do mercado de trabalho, por causa dos avanços da tecnologia e da diversificação do setor de serviços." (  Editorial Estadão de 24 de outubro de 2011)

A Revolta dos precarizados: um primeiro exercício.

O crescimento econômico e a calmaria social do lulismo, que permanecem sob o governo de Dilma Rouseff, não foram suficientes para impedir a explosão de lutas de trabalhadores terceirizados e precarizados.
Na construção civil, com os exemplos da luta dos operários de Jirau, Suape, Santo Antônio, usina de Belo Monte, greve dos operários de fortaleza, 2011 mostrou que uma parcela importante do proletariado desse setor não aceitará passivamente as condições de trabalho degradantes a qual as grandes construtoras querem empurrá-los.
Tais lutas, ainda que com programas limitados, foram em geral levadas à cabo com certo nível de espontaneidade, massividade e com métodos radicalizados. Em jirau, durante todo o mês de Março, milhares de operários paralisaram as obras, queimaram ônibus e alojamentos contra as péssimas condições de trabalho encontradas no canteiro de Obra. O governo Dilma só conseguiu “contornar” a situação a partir de um trabalho combinado que contou com uma brutal repressão da força de segurança nacional e com manobras e desvios levados à frente pela burocracia sindical da CUT. Hoje as principais lideranças operárias do conflito estão sendo indiciadas por formação de quadrilha e destruição de patrimônio.
No Estado do Pernambuco, mais de 30 mil operários paralisaram as obras da refinaria Abreu e Lima e da Petroquímica Suape. A luta, que conquistou algumas medidas econômicas mais favoráveis, só foi encerrada após o Tribunal Regional do Trabalho do Estado declarar a greve ilegal. No final de 2011, os trabalhadores das obras da Usina de Belo Monte, combinando-se a inúmeros protestos de movimentos sociais e setores populares devido a remoção de aldeias indígenas, entraram em greve por melhores salários e condições de trabalho.
O ano de 2012 também começa com importantes lutas de trabalhadores terceirizados ou da construção civil. Os operários da obra da Usina Angra 3 fizeram 6 dias de paralisação, inclusive com propostas e ações por fora do sindicato (força Sindical). Em Janeiro mais de 8 mil operários  que trabalham na construção da indústria Eldorado, em Três lagoas (MS), levaram uma importante luta por melhores condições de Trabalho. Mais recentemente os trabalhadores da obra do Estádio “Arena Pernambuco”, a 19 Km de Recife, paralisaram o trabalho no canteiro também reivindicando melhores salários e condições de trabalho. Mesmo sem a anuência do sindicato e com o Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco julgando a greve ilegal os trabalhadores demostram, até o momento que escrevemos essas linhas, uma importante disposição de seguir paralisados.
Esse extenso rol de lutas operárias num lapso temporal relativamente pequeno deixam claro a disposição de luta desse setor de trabalhadores precarizados que não querem ficar de fora das beneficies do crescimento econômico dos últimos anos e muito menos suportar as condições de semiescravidão que empresas como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, entre outras, se utilizam para manter suas altas taxas de lucro. Essas movimentações, ainda iniciais, dispersas e com programa limitado, são os primeiros exercícios de uma longa ginástica da luta de classe que pode se aprofundar na medida em que a crise internacional impacte o dependente crescimento econômico brasileiro.

A Burocracia Sindical e a precarização do Trabalho

Não é possível uma compreensão completa do avanço da terceirização e do trabalho precário sem destacar o papel da burocracia sindical cuja parcela mais degradada e atrelada à patronal, como a Força Sindical, conseguiu, além dos milhões de reais que já absorvem por via do imposto sindical, fazer rios de dinheiro atuando em cooperação com as empresas prestadoras de serviços terceirizados. Em muitos casos, os próprios burocratas sindicais tem participação no capital dessas empresas ou então contribuem arregimentando os trabalhadores para tais “empresas-máfias”.
Já outra parcela da burocracia sindical, como a CUT, ainda que evita uma colaboração em tal grau com as patronais, mantém uma relação completamente conivente com a terceirização e totalmente passiva no que diz respeito à mobilização dos terceirizados em unidade com os trabalhadores efetivos. Não a toa que a resposta que a CUT dá contra a terceirização é impulsionar um projeto de Lei, por via de seus parlamentares, que tem por objetivo a regulamentação da terceirização.
O deputado Vicentinho (PT), reconhecido burocrata sindical da CUT, foi o responsável por apresentar o projeto de Lei que tramita já alguns anos na Câmara Federal que tem por objetivo proibir a terceirização das atividades fim das empresas e abrir completamente as portas para a terceirização nas atividades meio. Em outras palavras, a CUT não vê problema que milhões de trabalhadores dos setores de limpeza, vigilância, telemarketing, jardinagem etc., sigam ganhando três ou quatro vezes menos que seus colegas efetivos e sem inúmeros diretos trabalhistas básicos.
Em realidade, a “grande” novidade que a lei proposta pelos dirigentes da CUT traz é a inversão da responsabilidade subsidiária da Administração Pública para uma responsabilidade solidária. Dessa forma o trabalhador terceirizado, que continuaria em empregos precários, com salários menores, sem direitos, sem liberdade de organização sindical e política teria a chance de propor uma ação contra a empresa e a Administração Pública concomitantemente.
O projeto de Lei da CUT é uma verdadeira regulamentação da semiescravidão. Não dá qualquer saída para resolver as péssimas condições de trabalho a qual milhões de trabalhadores terceirizados estão submetidos. E de fato não poderia ser diferente já que essa Central se constitui há muito tempo numa verdadeira correia de transmissão dos interesses e propostas da burguesia para o movimento operário. Com toda certeza, para avançar contra o trabalho precário os trabalhadores que hoje saem a lutar nos canteiros de obra pelo extenso território brasileiro necessitam saber quem são seus aliados. Definitivamente, a CUT com seu projeto de regulamentar a semiescravidão e seus profundos laços com o governo federal e muito menos a Força sindical, completamente ligada a Patronal, não estão nesse campo.


O exemplo da luta das trabalhadoras terceirizadas da USP e o papel dos sindicatos classista.

Durante o mês de março de 2011, mais de 400 trabalhadores terceirizados da empresa União, na sua quase totalidade mulheres e negras, protagonizaram uma importante luta que, sem sombra de dúvidas, marcou a história recente da Universidade de São Paulo (USP).
Após o atraso no pagamento dos salários e de outros benefícios centenas de mulheres decidiram não somente sair à luta, mas também expor toda situação precária a qual eram obrigadas a suportar. Atraso nos salários, falta de equipamentos de segurança, assédios morais e sexuais por parte das chefias eram parte da extensa lista de brutalidades que a empresa União e a administração da USP destinavam a essas trabalhadoras.
Com o apoio e a direção do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP), em particular pela atuação da sua ala minoritária composta pelos revolucionários da Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional (LER-QI), as trabalhadoras da União lançaram mãos dos  clássicos e históricos métodos de luta do proletariado: Greve, piquetes na Reitoria e marchas. Logo apareceram destacadas e combativas lideranças no movimento que tomaram a direção do conflito junto ao SINTUSP, sindicato cujo programa classista e não corporativo dá destaque na luta pela unidade das fileiras operárias a partir de levantar o programa de incorporação dos trabalhadores terceirizados ao quadro de efetivos sem a necessidade de concurso público.
Exatamente por levantar um programa combativo e de independência de classe o SINTUSP e seus dirigente têm sido vítima de inúmeras investidas por parte da Reitoria e do Governo do PSDB. Sem sombra de dúvida o exemplo mais taxativo é a demissão do dirigente Claudionor Brandão. A Reitoria da USP, numa verdadeira “monstruosidade” jurídica e num impressionante desrespeito aos princípios e garantias consubstanciados na Constituição Federal de 1988, demitiu Brandão, sem sequer realizar um inquérito judicial de apuração de falta grave como manda a CLT, alegando que este defendeu “interesses alheios” à universidade. Tais “interesses alheios”, cuja explicação a Reitoria da USP omite, tratava-se de centenas de trabalhadores terceirizados da USP com os quais Brandão reivindicava seus direitos e salários atrasados.
De todo modo, esses ataques não impediram que o SINTUSP seguisse firme na sua luta contra a precarização do trabalho dentro da USP. A combinação de um programa que levantava um questionamento mais profundo da precarização do trabalho com os métodos de lutas da classe operária, e o imprescindível apoio de um importante setor de estudantes, formando uma verdadeira aliança operário-estudantil, foi fundamental para dar visibilidade à luta das trabalhadoras da União e obrigar a Reitoria a realizar o feito inédito de realizar o pagamento dos salários não pagos pela empresa União.
Como numa verdadeira “escola de guerra” essas trabalhadoras passaram por experiências fundamentais. Viram e repudiaram o papel nefasto da burocracia sindical. Perceberam a importância dos métodos de luta e de auto-organização dos trabalhadores, assim como, da necessidade da busca de aliados, como foram os estudantes da USP e alguns intelectuais de esquerda. Passaram a compreender a importância de não cessar a luta com os pagamentos e levantar o programa de incorporação sem concurso público. E por fim tiveram a oportunidade conhecer sua própria história, a história da classe operária mundial, ao participar da nutrida coluna do ato do 1º de maio da LER-QI.
O exemplo da luta das trabalhadoras terceirizadas da empresa União mostra que apenas o programa de incorporação dos terceirizados aos quadros efetivos, com mesmos salários e direitos, em contraposição direta ao programa de regulamentação da terceirização, pode, combinado com os históricos métodos de luta operário que dobram a vontade da burguesia, acabar com a semiescravidão do século XXI e abrir portas para uma luta resoluta dos trabalhadores contra as investidas que o capital arma e prepara para jogar o custo da crise em suas costas.
Nessa luta ganha destaque fundamental a batalha por sindicatos classistas e independentes da patronal e do governo. Assim como também elementos de auto-organização local que possam abrir suas portas para a atuação conjunta de terceirizados e efetivos. Já em 1938, Trotsky explicava a importância das comissões de fábrica como via de alcançar os setores mais explorados da classe:
“Os sindicatos, mesmo os mais poderosos, não abarcam mais de 20% a 25% da classe operária, que, aliás, formam as camadas mais qualificadas e melhor pagas. A maioria da classe operária não é arrastada à luta a não ser episodicamente nos períodos de um excepcional auge do movimento operário. Nesses momentos é necessário criar organizações ad hoc que abarquem toda a massa em luta: os comitês de greve, os comitês de fábrica e, enfim, os soviets”
As recentes lutas explosivas dos setores precarizado mostra a necessidade de que as organizações sindicais combativas, em primeiro lugar a Central Sindical e Popular Conlutas, assim como os sindicatos que compõem, passem a levantar abertamente o programa de incorporação dos terceirizados (sem a necessidade de concursos no caso dos serviços públicos), denunciando as manobras de regulamentação da terceirização da Força Sindical e da CUT, impulsionando comissões de fábrica independentes que reúna efetivos e terceirizados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário