A reforma trabalhista urdida no Brasil é mesmo contra o trabalhador. Está sendo anunciada como necessária para melhorar o mercado de trabalho e ampliar a inclusão social, principalmente nas áreas de mais baixa renda. Uma falácia. Por quê?
Paulo Cannabrava Filho*
Porque essa reforma foi pensada pelos dirigentes da OCDE, com aprovação do FMI para países como a Espanha, entre outros, cujas realidades nada têm que ver com nossa realidade, a não ser em um ponto: tanto lá como cá os Estados estão sob a ditadura do Capital financeiro e do pensamento único.
A Reforma Trabalhista na Espanha foi promulgada em 2012, em plena recessão; depois de cinco anos se pode verificar que em nada contribuiu para o desenvolvimento, e ao contrário dos objetivos anunciados, só piorou a vida do povo espanhol e melhorou sensivelmente a vida da minoria rica principalmente os que vivem de renda.
Aprovada com o argumento de que a era necessária para dar mais flexibilidade às empresas no mercado global, garantir os empregos e estabilizar os ganhos e salários. Mas havia um objetivo implícito, que as pessoas só sentiram depois: a redução dos ganhos principalmente daqueles que perderam seu trabalho. E agora se diz que ainda é necessária uma nova reforma trabalhista para dar mais competência para as empresas que competem na OCDE. Isso diz a direita. Do outro lado, a insurgência dos sindicatos e do próprio governo contra a Lei é favorável a um novo Estatuto dos Trabalhadores.
Pior no Brasil por causa da crise moral
É preciso lembrar como foi a campanha na Espanha para fazer com que a população acreditasse que se tratava da recuperação do mercado de trabalho, que era a única alternativa ao crescente desemprego. Outra falácia que o povo está constatando facilmente O capital financeiro, ou seja, o governo dos bancos não gera emprego.
No Brasil a situação é muito pior que na Espanha. Todas essas maldades chamadas reformas (reforma trabalhista, reforma da previdência) abertura e desprezo pela soberania são acompanhadas de uma crise política das mais graves pela absoluta falta de líderes e de propostas alternativas, além de uma incrível passividade do povo. Passividade consequente, certamente, à cooptação e/ou traição dos dirigentes sindicais. Da social democracia, sabidamente não se podia esperar nada diferente.
Aqui as maldades e o poder da direita predadora vão crescendo amparadas por uma intensa campanha diversionista. O que os meios fazem é puro diversionismo. Tudo como se fosse um balão de ensaio. As pessoas se distraem e eles avançam contra os direitos universais, as conquistas trabalhistas.
Recordando. Durante várias semanas só se falava em Zé Dirceu, até conseguir prendê-lo; depois só se falava da Dilma, até conseguir destituí-la. Houve um intervalo em que se falou um pouco de Aécio Neves. Passaram meses só falando do Temer, até que hoje foi superado por um fato maior (ou igual, pois de novo só se fala do Lula. Querem sangrá-lo, lentamente, até conseguir prendê-lo. Então ninguém mais falará disso. Agora já não se fala da Dilma nem do Aécio. Vão para o cemitério midiático a não ser que voltem a ser interessantes (para eles). É assim que agem os meios, porta vozes da ditadura do capital financeiro e do pensamento único.
Enquanto isso, a nação sangra
Não há solução que possa vir dos banqueiros, nem dos latifundiários predadores do agronegócio.
Exportando grãos e minérios poderemos vir a ser um país rico. Rico? Sim, com 10 a 20 por cento da população com elevado poder aquisitivo, leia-se alto poder de consumo, e um por cento de milionários entre os mais ricos do mundo. Exportaremos minérios e grãos e compraremos tudo o que se necessita para o consumo, inclusive os bens de primeira necessidade. Essa é a lógica do sistema colonial, há 500 anos na nossa história.
A primeira consequência é o aumento da violência. Violência oficial, ou seja, violência do Estado, cada vez mais militarizado para manter a “tranquilidade social” nas áreas urbanas; a violência do Estado em apoio à violência intrínseca à expansão da fronteira agrícola, o massacre diário que se vê das populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas. A violência social em uma sociedade doente. Sociedade em surto psicótico que vê seu semelhante como um potencial inimigo. O ser humano deixou de ser um ser social.
Ano após ano batemos recordes na produção de grãos e de minérios. Mas quem põe os preços das commodities são as bolsas controladas pelos grandes monopólios. Os produtores ganham dinheiro e o aplicam no cassino global ou mandam para o exterior. Não há investimento na produção interna.
Sob esse modelo, 2015 foi um ano mais que de recessão, de regressão do PIB que diminuiu -3,8%. Com isso houve a perda de quase dois milhões de empregos, perda que hoje está em 14 milhões, isso sem contar a faixa social e etária que desistiu de buscar emprego, o que eleva essa cifra a cerca de 20 milhões. E há os 40 milhões de pessoas que estão no limite da pobreza extrema, recebendo uma quarta parte do salário mínimo através dos programas sociais. Programas na mira da direita que não admite que se gaste dinheiro com gente. Contando a informalidade e os que vivem à custa dos pais aposentados (há municípios no interior cuja renda é fundamentalmente das aposentadorias) temos 100 milhões, pouco menos da metade da população. Que país é esse?
Segundo o IBGE, com a redução do PIB, o salário médio do trabalhador caiu 3,2% em relação ao ano anterior. Isso significa, segundo os especialistas universitários, 78 bilhões de reais que deixaram de entrar na economia, ou no consumo como eles preferem (OESP-14/7/17, pág.B2).
Para este ano, a previsão é que o PIB se mantenha cerca de zero (0,2 ou 0,3). Paralelamente, a dívida pública bruta que estava em torno de 60% do PIB chega hoje a 90% e é crescente. E os gastos públicos estão congelados por 20 anos.
Dilma, Lula, o PT, Fernando Henrique, Alckmin, o PSDB, Temer e o baixo clero, ou seja, os parlamentares conduzidos por dinheiro ou cargos, a corrupção e os escândalos midiáticos, tudo isso perde importância. Puro diversionismo.
Quem manda são os bancos e o setor bancário necessita cada vez menos gente com o desenvolvimento dos bancos digitais. Hoje mesmo o Bradesco, segundo maior banco privado do país, anunciou um plano de demissão voluntária para 10 mil funcionários. Haverá onde empregar essa gente?
Reforma Trabalhista na Espanha
Foi somente em 1980 que os trabalhadores conquistaram uma lei que minimamente os protegesse; o Estatuto dos Trabalhadores, mas não durou muito. Em 2010 o governo Zapatero dizia que era necessário reformar o sistema e começaram a fazer algumas mudanças.
Em 2012 veio a reforma trabalhista que, segundo dizem, está inspirando a reforma conduzida nesse momento pelo governo ilegítimo de Michel Temer no Brasil.
Mariano Rajoy, presente em reunião do Eurogrupo em Bruxelas em fevereiro de 2012 foi surpreendido admitindo que a reforma trabalhista lhe custaria uma greve geral tal a agressividade das medidas que adotariam.
O decreto lei 3/2012 é do dia 10 de fevereiro, com a justificativa de que “Este real decreto-lei pretende criar as condições necessárias para que a economia espanhola possa voltar a criar emprego e assim gerar a segurança necessária para trabalhadores e empresários, para mercados e investidores (… palavras do Rei no longo preâmbulo…). O Governo encarna e serve aos interesses gerais e tem a obrigação de garantir e satisfazer os interesses de todos aqueles que estejam procurando um emprego. A reforma proposta trata de garantir tanto a flexibilidade dos empresários em gestão dos recursos humanos da empresa como a segurança dos trabalhadores no emprego e adequados níveis de proteção social. Esta é uma reforma na qual todos ganham, empresários e trabalhadores, e que pretende satisfazer mais e melhor os legítimos interesses de todos”.
O que fica claro em todo esse processo é que a reforma se fez por demanda, para não dizer exigência, da OCDE com o pretexto de modernizar as relações trabalhistas. Por isso mesmo aplaudida pelo FMI.
Vejam se a brasileira não é igual
Resumindo, pois a lei tem 64 páginas, a Reforma Trabalhista espanhola propõe:
- Flexibilidade na negociação coletiva, redução das indenizações por rescisão, supressão da presença do sindicato nas rescisões e de autorização da autoridade.
- O empresário poderá suspender o contrato de trabalho por causas econômicas, técnicas, organizativas ou de produção. Facilita também a demissão coletiva.
- Que se dê maior prioridade aos convênios coletivos no nível de empresas em detrimento dos convênios setoriais. O tempo da jornada de trabalho será negociada entre a empresa e os representantes dos trabalhadores, e também as condições de trabalho.
- Redução de salário dos que ganham acima dos convênios coletivos. Para preservar o emprego, possibilidade de reduções temporárias de salários ou de jornada e facilidade para as demissões.
- Regulamentação do trabalho temporário admitindo a realização de horas extras com vistas a facilitar a contratação nas pequenas e médias empresas.
- A terceirização se fará exclusivamente por empresas de trabalho temporário.
- Os trabalhadores a distância terão os mesmos direitos que os que prestam seus serviços no centro de trabalho da empresa.
- Parte da indenização que corresponda ao trabalhador despedido será objeto de ressarcimento ao empresário pelo Fundo de garantia Salarial.
- Outro objetivo e normas é para conter a expansão do gasto público pela necessidade de reduzir o déficit público.
São medidas relacionadas com a competitividade, produtividade e organização técnica ou de trabalho da empresa. Tudo foi pensado para que as empresas possam reduzir custos, em outras palavras, aumentar os lucros à custa dos trabalhadores.
Para atingir os objetivos da reforma trabalhista a OCDE requer reformas na educação secundária e terciária com ênfase na formação profissional. Oferece dedução fiscal para fomentar o emprego juvenil.
Os resultados visíveis, segundo dados oficiais: a taxa de desemprego que era de 24,8% baixou para 18.5% em cinco anos. É temerário afirmar que a tímida retomada do desenvolvimento se deve à flexibilização do trabalho. Será que não ocorreria sem a lei de 2012?
Se isso é positivo, se anula se comparamos com a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores. Segundo o Instituto Nacional de Estatística houve uma diminuição de 788 euros brutos ao ano na remuneração do trabalhador. Nenhum dos desempregados que voltou a trabalhar conseguiu sequer o mesmo salário que recebia antes. É fácil imaginar os efeitos que isso produz na qualidade de vida, posto que estão associados à perda de outros direitos sociais que eram garantidos pela legislação trabalhista anterior.
A regulamentação do trabalho temporário, segundo especialistas como Sandalio Gomes, professor da IESE Business School, transformou a Espanha em “uma máquina de fazer e desfazer contratos”. O emprego temporário oscila conforme a economia vai bem ou mal e isso é assim por todos os tempos e em todos os países. Então não se sustenta o mito de que os contratos temporários melhoraram ou melhorarão os níveis ou a qualidade dos empregos.
No início de julho, telegrama da agência EFE, diz que o novo presidente da poderosa CCOO – Confederação Sindical de Comissões Operárias, Unai Sordo, está exigindo do governo de Mariano Rajoy mudança do modelo de relações trabalhistas para superar o marco atual que favorece a contratação precária e temporária. A CCOO também denuncia a resistência empresarial em transladar para os salários a melhora da situação econômica das empresas (http:www.ccoo.es/).
Em dezembro do ano passado, o legislativo por proposta do Psoe, Podemos PNV ERC, Compromís e Bildu tentou derrogar a reforma de 2012 e aprovar um novo estatuto dos trabalhadores. É claro que não conseguiu, seja pelo apoio da maioria do congresso, seja pelas manifestações do FMI a favor do aperfeiçoamento (para pior, claro) da reforma. A direita insiste que é necessária para o crescimento.
Já este ano é Mariano Rajoy que está se rebelando contra as medidas com o apoio dos sindicatos. A primeira lição é que não trouxe estabilidade nenhuma à Espanha nesses cinco anos desde que entrou em vigor. E também que se for mudado o governo (para melhor) podem ser mudadas as leis.
Ante todos esses fatos e argumentos regressamos à realidade brasileira. “Estávamos à beira do abismo e demos um passo à frente”, disse um dos ditadores bolivianos a serviço das oligarquias e das empresas mineiras. É o que está acontecendo aqui no Brasil.
A única saída é uma ampla frente de salvação nacional em torno de um projeto de desenvolvimento sustentável, que começa com a recuperação do setor industrial, e ênfase em grandes obras de infraestrutura, valorizando, sobretudo a educação e a saúde do povo. Quem fará? Como fazer? É a pergunta que ninguém ainda ousou responder. Talvez a terceira ou quarta geração. Oxalá.
*Editor de Diálogos do Sul
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