quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Os tigres do Rio: Barbáries da escravidão

Lei de 1853 concedeu a John Frederick Russel, súdito britânico e major de nossa Guarda Nacional, o privilégio exclusivo de, por 90 anos, "construir e estender todas as obras necessárias para o estabelecimento de um sistema completo de despejos e esgotos das habitações, semelhante ao adotado na Inglaterra". De fato, à época, o serviço de esgoto só existia em Londres e Hamburgo, além de pequena área em Nova York.
O concessionário gozava de isenção de impostos de importação do material necessário, e direito de exportar, sem impostos, todo o estrume que resultasse do tratamento em suas máquinas. Entretanto, as obras só se iniciariam em fevereiro de 1862 quando a concessão foi transferida para a The Rio de Janeiro City Improvements Co., Ltd., que ficou conhecida como a CITY.
Até então, os dejetos eram guardados nas residências, em barris. A remoção dos barris cheios se fazia, normalmente à noite, quando escravos, carregando os barris à cabeça, cruzavam a cidade até terrenos baldios ou o mar, onde a imundície era despejada.
Um comerciante inglês que viveu no Rio entre 1808 e 1818 relata que, em muitos casos, esses barris eram esvaziados diariamente, em outros, apenas uma vez por semana, dependendo do número de escravos disponíveis (e, necessariamente, da quantidade de usuários do mesmo barril). Se ocorresse desabar uma chuvarada, a carga era despejada em plena rua, deixando-se, à enxurrada, a tarefa de levá-la ao mar.
O conjunto escravo-barril era apelidado de tigre, em razão do aspecto dos carregadores. Transbordamentos iam deixando rastros no corpo do homem que, assim, ficava com listras sinuosas.
Conta Manoel de Macedo (o autor de A Moreninha) que um viajante francês, demorando-se por alguns dias no Rio, ouviu, de patrícios, queixas dos incômodos tigres que, freqüentemente, corriam pelas ruas à noite. Algum tempo depois, veio a publicar um livro de viagens em que relatava: "Na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil, feras terríveis, os tigres, vagam, durante a noite, pelas ruas..."
Segundo Brasil Gerson , em sua História das Ruas do Rio de Janeiro, o local onde residiu Mr. Russel deu nome à região onde, mais tarde, foi construído o Hotel Glória.
A foto mostra, em 1903, a chaminé de uma Estação de Tratamento da City, e a ponte de atracação das chatas que eram rebocadas conduzindo para fora da barra os resíduos do tratamento das fezes da cidade. O local, hoje, é ocupado pelo SEAERJ (Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Rio de Janeiro).

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