quinta-feira, 9 de março de 2017

Artigo: A geografia é necessária ao jovem cidadão?

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Ensino é fundamental para o desenvolvimento da capacidade perceptiva autônoma

Em termos diretos, sem rodeios, a geografia é a ciência da localização. Qualquer característica que se apresente no habitat natural do homem pode ser localizada, com maior ou menor precisão. Um exemplo didático, doméstico e de tom trivial, porém, é revelador da generalidade desta afirmação: sem saber onde está a manteiga, não se pode galantear o pão com sua presença. Generalizando, pode ser afirmada a absoluta necessidade de conhecer, a todo momento, a localização de numerosos elementos e condições ambientais. Esse conhecimento pode ser constituído, quando necessário, por constatações de frequências de incidência, normalmente utilizadas em conjunto para definir ambientes de interesse. Climas, relevos, solos e vegetação podem, sob essa perspectiva integradora, identificar os diversos ambientes de comportamento estável e rotineiro ou, pelo contrário, catastrófico e imprevisível, que interessem e garantam a presença do homem. Este conhecimento, é fácil imaginar, é a pedra de toque para a utilização e compreensão dominadora da realidade em que vivemos, em qualquer nível de detalhe: interplanetário, mundial, continental, nacional, estadual, municipal, local e doméstico, nos âmbitos espaciais; o mesmo ocorre nos âmbitos cronológicos diário, semanal, mensal, anual ou secular, geralmente agregando conjuntos representativos de comportamentos cíclicos senoidais
Em consequência da natural imbricação dos níveis acima citados, o ensino da geografia é fundamental para o desenvolvimento da capacidade perceptiva autônoma do jovem, trazendo-o paulatinamente, ao longo de seu crescimento físico e intelectual, para a compreensão da realidade que forçosamente o cerca. Assim sendo, o ensino da Geografia deve ser esclarecedor das condições ambientais em que se verificam as distribuições espaciais de fatores físicos (clima, relevo, distribuição de terras e águas são exemplos emblemáticos), bióticos (fauna e flora, inclusive com suas parcelas microbianas, de importância fundamental para a espécie humana) e sócio-econômicos (nossas subordinações, basicamente impostas pelas necessidades da vida gregária e conflitante de nossa espécie, subordinações essas que precisam ser compreendidas para serem superadas).
No momento atual, uma condição da vivencia humana deve ser salientada, inclusive em termos de possíveis construções pedagógicas. Colocar um cidadão na condição plena de adulto significa habilitá-lo através de inspeções geográficas instrumentadas por conceitos, métodos e técnicas associados aos recursos geotecnológicos hoje maciçamente disponíveis, em particular os artifícios de localização específica (GPS e telefones celulares), proximidades (mapeamentos digitais), acessibilidade e definição de trajetórias (proposições e respectivas análises espaciais). Estas são ações e uma atitude a ser tomada pelo professor de Geografia destinada a orientar o aluno para o entendimento da visão do mundo que lhe é oferecida pela inspeção da realidade que o cerca. Sem este entendimento corre-se o risco do aluno tornar-se mais uma partícula ultramicroscópica da Internet, esta imensa geléia que vibra em todas as direções, carregada de imensa entropia, apenas vibrando continuamente, com um potencial de informação útil pouco aproveitado pela humanidade como um todo, especifica e felizmente dirigida em ocasiões de comoções planetárias, quando mostra seu valor, e consumindo excessivamente a energia dos jovens.
O conhecimento geográfico, por alguns insuspeitadamente usado maciça e aleatoriamente, deve ser disciplinadamente propiciado pelo sistema educacional, sob pena de passarmos a viver sem saber onde estamos, seja geograficamente, seja em termos das condições históricas em que forçosamente vivemos. Historiadores, nobres lutadores e companheiros nas pelejas contra a ignorância espaço-temporal, certamente já estão alertas. Além de saber situar-se no tempo, percebem a necessidade de definir os respectivos condicionamentos espaciais. Trazer claramente esta percepção múltipla para o jovem é missão inarredável de geógrafos e historiadores. É tarefa paulatina, prolongada e que ganha envergadura com o andar do ensino dos jovens.
Ao longo do aprendizado dos jovens devem ser perpassados conhecimentos de três categorias: conceituais (definições de ambiente, Geodiversidade, Geoinclusão, entre outros), metodológicos (Internet, sistemas geográficos de informação, modelos digitais do ambiente, representações cartográficas tradicionais e digitais, entre outros) e técnicos (uso de computadores e telefones celulares, de programas e redes disponíveis na Internet são exemplos). Deve ser lembrado que a auto motivação dos jovens é imensa e, em alguns casos, uma falta de preparação do professor para apresentar temas pode ser superada pela criação de exibições prévias ao mestre, nas quais ele poderá, com toda sinceridade, declarar-se participante de um aprendizado altamente benéfico para todos. Afinal, hoje em dia, aprender novos procedimentos associados a avanços tecnológicos é tarefa altamente difundida e utilizada.
O uso de conceitos, métodos e técnicas, usados percebida ou inconscientemente, constituem balizadores do entendimento de qualquer problema. Este fato nos traz uma preocupação quanto ao destino deste texto. Não estamos defendendo, apoiando ou esclarecendo geógrafos profissionais, mas sim o Professor de Geografia, notório abnegado que não se furta a lutar para entender as numerosas e profundas modificações atualmente se associando à geração e utilização de dados geográficos. Exemplo: a distribuição espacial de características ambientais pode ser representada em um mapa digital por milhares de categorias, todo localizável digitalmente, o que supera a capacidade de distinção de cores e tamanhos associada á visualização humana. Em síntese: mapas não necessitam ser feitos com restrições quanto ao detalhe, agora associado ao elemento de resolução do mapa, ou quanto ao número de cores perceptíveis ao homem. Em síntese: mapas não são feitos apenas para serem vistos, mas sim para serem analisados.
Conclusão: o Professor de Geografia precisa ser apoiado em seu esforço de atualização, através de freqüência a cursos especiais em laboratórios de pesquisa e, em geral, de maior contato com geógrafos profissionais, pois seu aprendizado não se prende apenas ao domínio de técnicas de comunicação, abrangendo também o Geoprocessamento, ou seja, a transformação de dados localizados em informação espacializada. Como ação educativa este contato entre pesquisadores e professores deve pretender mostrar panoramas abrangentes da realidade ambiental, necessariamente composta por fatores físicos, bióticos e sócio-econômicos, seja em termos locais, nacionais ou planetários. O Professor de Geografia poderá aprender que, através de apresentações do dinâmico entrosamento entre fenômenos locais, adjacentes, próximos ou longínquos, todos registrados em meio digital, constituindo um sistema de informação geográfico (isto é, geoespacial), ele mesmo poderá escolher ou mesmo criar representações significativas de diferentes realidades ambientais relevantes para o homem. Pode ser lembrado que o oposto a isto, ou seja, uma educação dissociada dos avanços técnico-científicos, representa a continuidade da formação de analfabetos quanto à nossa triste realidade ambiental. Esse desconhecimento, disseminado pela população, é o nó górdio de nossa precária situação econômico-social. Até quando continuaremos a ter cidadãos cuidadosamente habilitados a votar, porém desprovidos de uma consciência clara de onde, quando e porque estão agindo e vivendo.

*Jorge Xavier da Silva é geógrafo e professor emérito da UFRJ

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