“Escola sem Partido”: uma tentativa de censurar o pluralismo de ideias no ambiente escolar
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, proferiu decisão liminar na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5537, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (CONTEE), suspendendo os efeitos da Lei nº 7.800, de 05 de maio de 2016, do Estado de Alagoas.
Embora contemple programa formalmente chamado de “Escola Livre”, a mencionada lei, de autoria do deputado estadual Ricardo Nezinho (PDMB), ficou conhecida pela maioria dos educadores como “Lei da Mordaça” (irônico, não?). Em suma, ela busca coibir o que seus defensores chamam genericamente de “doutrinação política e ideológica” no ambiente escolar – medida que, em outras palavras, significa a proibição de os educadores de instigarem convicções e reflexões políticas, ideológicas e religiosas em seus alunos.
Além de constatar o flagrante vício formal de inconstitucionalidade da norma, consubstanciado na incompetência dos Estados para legislar sobre diretrizes e bases da educação (art. 22, XXIV, CF), Barroso sustentou que ela viola vários preceitos da Carta Magna que asseguram a promoção do pleno desenvolvimento da pessoa, a sua capacitação para a cidadania e qualificação para o trabalho, a liberdade de aprender e ensinar, o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e a valorização dos profissionais da educação escolar.
Ademais, o ministro ressaltou que seus dispositivos genéricos geram um risco de imputação de qualquer tipo de infrações aos professores que não compartilhem da visão dominante em uma determinada escola ou que sejam menos simpáticos a sua direção.
O programa “Escola Livre” alagoano está inserido no campo de atuação do movimento “Escola sem Partido”, idealizado pelo advogado Miguel Nagib, que nos últimos anos disponibiliza em seu sítio eletrônico anteprojetos de leis municipais e estaduais, com os fins supostamente “libertadores” mencionados acima. Em âmbito nacional, também tramitam projetos dessa natureza, tanto na Câmara dos Deputados (PL 7.180/2014) como no Senado Federal (PL 193/2016), os quais agora devem ser apreciados pelos parlamentares com certo receio, diante do já exposto posicionamento do ministro Barroso que, por seus fundamentos razoáveis – e, por que não dizer, axiomáticos? –, muito provavelmente será referendado pelo Pleno do STF.
Seja porque objetivam colocar o professor sob constante e intimidadora vigilância – podendo ensejar perseguições arbitrárias de docentes que, vale dizer, já são pouco valorizados no ambiente escolar –, seja porque pretendem obstar a liberdade de aprender do estudante, os projetos de lei do programa “Escola sem Partido” estão fadados ao insucesso.
Se fossem atendidas as diretrizes de leis com esse conteúdo, permitindo-se que o ambiente escolar, tradicionalmente caracterizado pela emancipação política e ideológica, pelo processo de autoconhecimento e pela preparação do exercício da cidadania dos indivíduos, fosse censurado para submeter aos discentes concepções exclusivamente compartilhadas por suas famílias, seria mais fácil que fechassem as portas das escolas para que os alunos recebessem, tão somente, a educação de seus pais.
Nesse ponto, embora não se negue a extrema relevância da educação familiar na formação – sobretudo ética – do indivíduo, deve-se compreender que o ensino promovido pelo Estado possui (e não poderia ser diferente) um viés completamente diverso: ele precisa, diante da sociedade multifacetada em que vivemos, pautar-se pelo pluralismo de ideias e pela liberdade de expressão – e, mais além, de instigação de ideias e de reflexão crítica –, sob pena de se legitimar um sistema que propicie a alienação ou a intolerância do aluno quanto à diversidade do meio social em que ele vive.
Como se não bastasse, ao defender suposta “neutralidade político-ideológica” em sala de aula e a premissa de que a educação moral, política e religiosa deve competir unicamente à família, o “Escola sem Partido” desconsidera a individualidade do estudante e sua capacidade de formar opiniões próprias, de questionar informações externas e de refletir sobre eventos da atualidade.
Esta tentativa de vedar os olhos e ouvidos de estudantes não só é inconstitucional em múltiplos aspectos, por violação à liberdade de cátedra, ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e, ainda, por constituir verdadeira limitação ao direito fundamental à educação, mas também se demonstra inviável na prática. Isso porque, além de viabilizar um cenário propício à perseguição de professores, seu objetivo é inócuo perante o atual mundo globalizado, que se caracteriza pela ampla disseminação de todo tipo de informações.
Por fim, o modelo proposto não prepara os alunos para os meios acadêmico e profissional, onde, por certo, eles deverão assimilar, respeitar e até enfrentar as mais diversas concepções morais, ideológicas, filosóficas, religiosas e políticas.
Sendo assim, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso deve ser enaltecida e espera-se que seja referendada pelo Plenário do STF.
Quanto aos demais projetos de lei, regionais e nacionais, do programa “Escola sem Partido”, outra sorte não deverão ter diante da constante vigilância e pressão exercida por entidades que defendem diuturnamente o direito fundamental à educação, bem como do exercício, pelo Pretório Excelso, de sua função de guardião da Constituição da República.
Tiago Fuchs Marino é graduado em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados. Assessor Jurídico na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de Mato Grosso do Sul – Ministério Público Federal.
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