Em 15 de outubro, o Observatório da Educação da Ação Educativa realizou um debate, da série Desafios da Conjuntura, sobre a relação entre as condições de trabalho e as faltas de professores(as). Gestores, pesquisadores, jornalistas e profissionais da educação debateram por que os professores faltam, o que apontam as pesquisas sobre o tema, como a mídia aborda a questão, quais as condições de trabalho desses profissionais e as estratégias dos sistemas para garantir o direito à aprendizagem dos alunos e o cumprimento da jornada. A mesa foi coordenada por Aparecida Neri Souza, professora da Faculdade de Educação da Unicamp. Ela destacou como elemento comum das falas iniciais dos debatedores o destaque ao mal-estar na profissão docente, tratado como fenômeno social.
“Há uma desvalorização da carreira, simultânea às mudanças nas exigências profissionais, com situações de violência e de indisciplina, por exemplo”, afirmou. Neri destacou os efeitos negativos da profissão, sentimentos como angústias, alienação, ansiedade, banalização do mal e postura desumanizada diante das condições de vida que passam pelos olhos do professorado em sala de aula. “Nesse contexto, o absenteísmo surge como estratégia de defesa, assim como a remoção, evasão e desvio de função”. Para Neri, o professor é movido pela crença de que a educação transforma e “a impossibilidade disso, o descompasso entre expectativas e possibilidade de alcançá-las provoca estresse laboral”. Presente na mesa, a professora da rede municipal de educação de São Paulo, Silmar Leila dos Santos, que desenvolveu pesquisa sobre absenteísmo docente abrangendo os anos de 2004 a 2005, destacou como causas o acúmulo de cargos ou jornada, que resultam em faltas motivadas por saúde e questões particulares, os principais motivos apontados na pesquisa. “Dos 143 que responderam ao questionário, 69 alegaram utilizar as licenças para tratamento pessoal de saúde”, destacou (leia aqui a apresentação de Silmar).Ela verificou como estratégia das escolas de enfrentamento do problema a utilização dos professores adjuntos (que não existem mais em São Paulo), bem como a distribuição dos alunos entre as salas de mesma série. “Além disso, a falta não é considerada direito, mas concessão dos diretores aos funcionários”.
Culpabilização
Também estiveram presentes na mesa o diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Douglas Izzo, e o professor de filosofia Eduardo Garcia do Amaral, da rede estadual paulista. Ambos ressaltaram como perversa a culpabilização do professorado pelo absenteísmo. “Entendemos que as questões estruturais estão diretamente ligadas à falta do professor, como a dupla e a tripla jornadas. A jornada extenuante leva a problemas sérios de saúde dos professores. Também as condições de trabalho, como a média grande de alunos por sala de aula”, afirmou Izzo.
Para explicitar o problema da perda de sentido do trabalho docente, Amaral propôs a inversão do questionamento: “devemos nos perguntar por que, afinal de contas, os professores vão”. Para ele, há um processo perverso de culpabilização do professor, num universo de desencanto da escola. “As causas são estruturais. Há perda de sentido da docência, de identidade do professor. Com a introdução das apostilas, por exemplo, nossa identidade nos é roubada, uma vez que não nos reconhecermos mais naquele trabalho. O fato de o professor estar lá se torna absolutamente indiferente”, entende Amaral. Nesse contexto, Izzo reafirma a necessidade de política de melhoria efetiva de condições de trabalho, como a diminuição de alunos por sala. “A incorporação do piso nacional é outro elemento. A jornada proposta seria importante para professor ter contato maior com a comunidade e tempo livre para preparar as aulas”, disse. Já a diretora de escola municipal de ensino fundamental de São Paulo, Silvana Marques Pacheco, ressaltou que, para além das questões relacionadas ao exercício da profissão e às condições de trabalho, a motivação das faltas é multifatorial. “O professor é um ser humano, está sujeito a chuvas e tempestades. É possível passar horas fazendo uma lista dos porquês”.Ela afirmou que o mais comum alegado pelos professores é a doença. “Há também questões familiares, também de saúde, ou questões domésticas. É um universo feminino e muitas precisam resolver problemas relacionados à vida conjugal. São pessoas comuns, seres humanos que estão nas escolas trabalhando”. Como estratégia adotada em sua escola, ela destacou a utilização de professores substitutos, trabalho com jogos ou cestas de livros. “Hoje não tenho substituto para a primeira série. A alternativa é distribuir por outras salas ou falar para ficar em casa”. O ponto de vista do gestor A Secretaria Estadual de Educação (SEE) foi representada por Maria Auxiliadora Albergaria P. Ravelli. Ela apontou que há pouca pesquisa a respeito das causas das faltas e destacou, no enfrentamento da questão, medidas da secretaria como a limitação a seis faltas médicas e as novas formas de composição de jornada, como a de 12 horas. “Pela diversidade, as situações são muito diferenciadas em toda a rede, o que dificulta na formulação de políticas. É preciso efetivar mais os professores, por isso começamos a fazer concurso. Temos muitos temporários e não é possível trabalhar assim”, acrescentou. Maria Auxiliadora afirmou ainda que medidas de bônus adotam como critério importante a presença do professor em sala de aula. “Outra política é a mudança na atribuição de aulas para 2010. A composição da jornada para os projetos especiais deve ser trazida para o início do ano”, concluiu.
Cobertura da Mídia
O jornalista da revista Nova Escola Gestão Escolar, Gustavo Heidrich, falou a respeito da cobertura midiática do tema e das visões que surgem com mais frequência. E considera fundamental o debate sobre o financiamento da educação e também a tendência de responsabilização de terceiros pelo aprendizado do aluno. “É um jogo de empurra”, afirmou. No debate público, Heidrich destacou a presença maior de dois fatores: o bônus ou medidas punitivas. “O bônus faz a pessoa perseguir algo não pelo fim da atividade, mas pelo bônus. E a punição é pouco produtiva do ponto de vista do clima da escola, não contribui para a educação”. Para a superação dos problemas enfrentados nas escolas ele destaca a necessidade de valorização da carreira ”que passa por questões salariais, de identidade e por encarar professor como profissional da educação de fato”. Heidrich considera a cobertura da mídia sobre educação muito superficial. “Aparece sempre o ponto de vista da responsabilização direta do professor, pouco são discutidas as questões de fundo”. Para fugir dessa lógica, ele propõe a produção de conhecimento sobre o assunto. “O jornalismo se baseia muito em dados, principalmente econômicos. Isso tem força muito grande nas redações. Com números ou declaração forte fica mais fácil de vender a pauta aos editores”, revelou. Assim, Heidrich considera fundamental que educadores busquem unir o levantamento de dados e a reflexão. “Na mídia, esse tipo de ligação não é feita, pela deficiência de cobertura, e pelo ritmo das redações. Uma pauta econômica é muito mais fácil de ser vendida do que reflexão sobe o tema”, concluiu.
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