Há 30 anos, morria um dos maiores nomes da educação, Jean Piaget. Naquele momento, sua contribuição começava a fazer parte dos principais debates sobre a área no Brasil
Por Cristina Uchôa
Em setembro de 1980, aos 84 anos de idade, falecia Jean William Fritz Piaget. Normalmente listado entre os grandes pedagogos da história mundial, o suíço dedicou-se, na verdade, à epistemologia, buscando, mais do que as questões relativas ao ensino, os mistérios da gênese e da construção do conhecimento.
“Diferenciar aprendizado de ensino foi um passo fundamental para nossas discussões nos anos 80, para superar o modelo da pedagogia bancária no Brasil”, conta Maria Izabel Azevedo Noronha, professora de português e atual presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). “Afinal, dizer que um professor ensina determinado conteúdo não quer dizer necessariamente que o aluno realmente aprende aquilo”, explica, diferenciando as duas etapas do processo educacional.
Diversos estudiosos da Pedagogia se dedicaram à assimilação das novas ideias e passaram a aproveitar suas teorias, no mundo todo. No Brasil, surgiram diversas iniciativas na rede particular de ensino, principalmente no Sudeste – como a Escola da Vila, em São Paulo –, dedicadas a colocar em prática um novo paradigma de educação. “Nos anos 80, quando os resultados de pesquisas de orientação piagetiana chegaram ao país, nós da Escola da Vila nos identificamos com essa metodologia e passamos a desenvolver nosso projeto pedagógico levando em consideração essas contribuições”, conta a professora Zélia Cavalcanti, coordenadora pedagógica da escola. Para a rede pública, também não foi pequeno o reflexo das novas ideias. Ao concentrar-se em como o conhecimento se forma, o problema da educação passou a ser como provocar a criança a aprender, e não mais como transferir conhecimento e informações acumuladas, que era o que buscavam os professores da época, conta Maria Izabel.
Na prática, o que mudou foi o entendimento dos lugares que ocupam professor e aluno no processo de passagem e construção do conhecimento. “O aluno é o agente do processo. O centro tem que ser o interesse do aluno; buscamos ver o que ele já conhece em relação a cada tema que será abordado e, respeitando o ritmo de cada um, usamos estratégias diferentes para garantir que todos sejam contemplados”, explica Paula Angélica Pimentel Prado, orientadora pedagógica da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental do Colégio Piaget, na capital paulista.
A inteligência, segundo Piaget, é uma adaptação: o indivíduo desenvolve formas de agir e pensar para superar os desafios colocados pelos meios natural e social. Ao se deparar com uma novidade, um desafio, a pessoa é capaz de remanejar suas ideias e criar novas conclusões a partir delas, para resolver seu problema. “O pensamento se desenvolve a partir das ações sensoriais e motoras que antecedem o aparecimento da função simbólica, isto é, da capacidade de pensar”, explica a docente do curso de Psicologia da PUC-SP Maria Regina Maluf, presidente da Sociedade Interamericana de Psicologia e estudiosa de Piaget.
Na escola, isso adquire a roupagem de provocação. “Temos em mente a situação de que o novo conteúdo traz um desequilíbrio para o aluno, sendo que ele volta à situação de equilíbrio depois de assimilar esses novos conhecimentos. Ou seja, o cerne da questão é a problematização, fazermos com que os alunos enfrentem os desafios e se sintam capazes de superá-los”, sustenta a orientadora pedagógica. Pelo foco da psicologia, Maria Regina explica: “surge assim [com os estímulos adequados] o pensamento lógico, sob a influência de quatro fatores do desenvolvimento, conforme os estudos de Piaget: a maturação, a aprendizagem, as interações sociais, e a equilibração, ou seja, a busca constante de regulação mental”.
O educador, porém, não é uma figura menos importante no sistema do aprendizado, lembra Maria Izabel. “O professor é o grande provocador, é o que tem que reconhecer as condições dos alunos para traçar suas estratégias para fazer com que seja realizado o objetivo, que é o aprendizado”, reflete. Mais do que a responsabilidade de trazer todas as respostas, o educador faz com que o aluno busque por si mesmo as informações. “O papel do professor é o de estimular a pesquisa e o esforço do aluno, sensibilizar para a busca e o interesse. Sempre que recebemos uma pergunta, devolvemos para eles, para entender o que sabem sobre o assunto e verificar o caminho para que tenham curiosidade de buscar o novo conhecimento. Formulamos a aula para intervir”, explica Paula.
Linha pedagógica
“Piaget foi sem dúvida um trabalhador da ciência, que nos deixou uma obra vasta e complexa”, afirma Maria Regina, ressaltando que a educação é apenas um dos campos nos quais as hipóteses piagetianas podem ser aplicadas. Dedicado a investigar a gênese do conhecimento (epistemologia genética), Piaget, se vivesse hoje, provavelmente transitaria mais na área da neurociência do que nos ambientes escolares. O debate sobre a que área da ciência pertencem as ideias de Piaget, no entanto, não é a principal questão 30 anos depois de sua morte, até porque hoje conhecimento, ciência e aprendizado não são um problema restrito apenas às escolas e ambientes similares de ensino formal.
Para Maria Izabel, afirmar que uma escola ou outra é “piagetiana” hoje não passaria de uma ação de marketing. “A escola pública carece de qualquer teoria pedagógica, está tudo desorientado. Nos colégios particulares, há divisões, mas não se pode dizer que uma escola tem uma linha pedagógica; ela tem que se adaptar para atingir a finalidade, que é fazer com que o aluno aprenda e tenha sucesso no objetivo de ser aprovado no vestibular”, analisa.
Por outro lado, colégios já vistos como construtivistas [hiperlink: Em suas pesquisas, o epistemólogo apontou uma série de conclusões a respeito de como se opera a construção do conhecimento e da própria estrutura lógica mental para o indivíduo – daí terem dado à “linha pedagógica” inspirada em sua teoria o nome de construtivista] em São Paulo, como a Escola da Vila e o próprio Colégio Piaget, rejeitam o rótulo de “piagetianos”. Seus professores dizem aproveitar os ensinamentos de Piaget, mas não seguir uma “linha piagetiana”. “Não aplicávamos suas teorias nas salas de aula, apenas procurávamos entender o desenvolvimento das condições de conhecimento nas crianças, para então promover boas situações de aprendizagem”, conta Zélia Cavalcanti. Para ela, o adequado é usar o termo “construtivista”: “Adotamos o ponto de vista que não reconhece uma ‘linha pedagógica’ piagetiana, mas sim uma metodologia de ensino derivada das suas pesquisas: a concepção construtivista de ensino e aprendizagem ou construtivismo escolar”, diz. Para o colégio que traz em seu nome uma homenagem a Piaget, se uma definição de linha pedagógica se aplicasse, seria a “interacionista”, segundo a orientadora Paula. “Construímos nossa atuação adaptando ensinamentos de Piaget, Vigostky, Wallom e Ausubel, aproveitando a parte boa de cada um”, explica.
Da classificação de fases à divisão em ciclos
O legado mais concreto de Piaget para a educação foi a classificação assertiva, por faixas etárias, das fases da criança, apontando em qual delas o indivíduo é capaz de realizar determinadas operações mentais, lógicas ou mesmo sociais, morais – como a capacidade de interagir com o outro, de se colocar no lugar do outro. “Ele [Piaget] construiu hipóteses explicativas vigorosas a respeito das fases de desenvolvimento mental”, diz Maria Regina. “No primeiro período da vida – sobretudo os dois primeiros anos – são de grande importância as atividades de imitação, jogos simbólicos de faz-de-conta, desenhos, e linguagem oral”, completa.
No Colégio Piaget, uma das práticas destacadas é o uso dos recursos lúdicos no ensino infantil. “Todo tema novo a ser ensinado começa com uma brincadeira, porque se sabe que de 0 a 6 anos o que desperta o interesse da criança é a brincadeira”, exemplifica Paula. Para Maria Regina, está correta a prática: “Essas atividades devem ser valorizadas e estimuladas pelo educador, pois a partir delas, sobretudo da linguagem, vai surgir o pensamento operacional, abstrato”.
Contextualizando a aplicação da classificação das faixas para o sistema brasileiro, Maria Izabel reconhece que “a classificação das fases foi fundamental para a divisão dos ciclos [Infantil e Fundamental I e II], como temos hoje nas escolas, e a inserção de outras disciplinas, como Artes e Educação Física”. Diretamente ligada a essa divisão dos ciclos está a proposta da progressão continuada, incentivada no Brasil principalmente por Paulo Freire, porque não existe razão para o indivíduo que cresce e que muda de faixa etária continuar repetindo operações destinadas a estimular crianças que estão numa fase anterior.
“A ideia da progressão continuada faz muito sentido; pena que o que vemos hoje não tem nada a ver com isso. O que vivemos hoje é um sistema de aprovação automática, sem critério e sem uma ação que possibilite a adaptação do aluno”, afirma, lamentando a mudança de rumos das políticas de educação na rede pública depois da década de 90. “A partir da era Collor, houve a mudança de rumos, com uma proposta engessada para a nova LDB, que retirou autonomia dos professores, trazendo as apostilas e as metas simplificadas, as aulas robotizadas, sem preocupação com o aprendizado de fato”, reclama.
Autonomia, criatividade e coletividade
A melhor avaliação que se pode fazer do legado de Piaget para a educação é: os indivíduos que criaram seu conhecimento com as técnicas baseadas em suas teorias sobre o aprendizado são diferentes? “Sem dúvida, formamos indivíduos mais autônomos, críticos e criativos”, garante Paula, do Colégio Piaget.
Para Maria Izabel, também está claro que a proposta de centrar o aprendizado nas referências e na lógica do aluno tem muito a ver com a proposta de pedagogia da autonomia. Em sua visão, não é só o encaixe do conceito da progressão continuada que faz as ideias de Piaget se parecerem muito com as do educador brasileiro Paulo Freire. “O educador que centra sua prática no aluno tem que buscar sua referência na realidade dele, como Paulo Freire, quando definia, com o conjunto dos seus alunos, que a figura do tijolo seria o ponto de partida, por exemplo. Dali para a frente, o professor sabe aonde quer chegar, mas utilizou como referência algo que já é assimilado para todos”, explica.
Assim como o brasileiro, o suíço inovava ao argumentar que a realidade e as informações trazidas pelo outro influem nas estruturas e na lógica que a criança cria sobre seu conhecimento e sua interpretação sobre o mundo. Daí a importância da interação com o ambiente e com o outro, o que busca também uma consciência de coletividade.
“Uma das influências de Piaget para nossa prática é a troca do indivíduo com o meio em que está inserido: fazemos atividades de interação com o meio e com o outro, promovemos atividades em dupla, em grupo, muitas atividades práticas, principalmente no ensino infantil e fundamental”, afirma a orientadora do Colégio Piaget. Na Escola da Vila, está claro que o aprendizado não é um processo autocentrado, individualista: “Para o construtivismo escolar, a interação entre iguais (em alguns momentos) e entre diferentes (em outros) é fundamental para a qualidade da aprendizagem numa sala de aula”, esclarece Zélia.
Para Paula, o grande objetivo de aplicar técnicas de ensino inspiradas em linhas pedagógicas como as inspiradas em Piaget é enfrentar um dos novos desafios que a escola se colocou ao assumir o papel de educadora: formar pessoas. “Formamos pessoas completas, com uma visão criativa e coletiva, que é uma visão atual, ajustada ao mundo que vivemos agora”, conclui.
Fonte: Revista Forum
“Diferenciar aprendizado de ensino foi um passo fundamental para nossas discussões nos anos 80, para superar o modelo da pedagogia bancária no Brasil”, conta Maria Izabel Azevedo Noronha, professora de português e atual presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). “Afinal, dizer que um professor ensina determinado conteúdo não quer dizer necessariamente que o aluno realmente aprende aquilo”, explica, diferenciando as duas etapas do processo educacional.
Diversos estudiosos da Pedagogia se dedicaram à assimilação das novas ideias e passaram a aproveitar suas teorias, no mundo todo. No Brasil, surgiram diversas iniciativas na rede particular de ensino, principalmente no Sudeste – como a Escola da Vila, em São Paulo –, dedicadas a colocar em prática um novo paradigma de educação. “Nos anos 80, quando os resultados de pesquisas de orientação piagetiana chegaram ao país, nós da Escola da Vila nos identificamos com essa metodologia e passamos a desenvolver nosso projeto pedagógico levando em consideração essas contribuições”, conta a professora Zélia Cavalcanti, coordenadora pedagógica da escola. Para a rede pública, também não foi pequeno o reflexo das novas ideias. Ao concentrar-se em como o conhecimento se forma, o problema da educação passou a ser como provocar a criança a aprender, e não mais como transferir conhecimento e informações acumuladas, que era o que buscavam os professores da época, conta Maria Izabel.
Na prática, o que mudou foi o entendimento dos lugares que ocupam professor e aluno no processo de passagem e construção do conhecimento. “O aluno é o agente do processo. O centro tem que ser o interesse do aluno; buscamos ver o que ele já conhece em relação a cada tema que será abordado e, respeitando o ritmo de cada um, usamos estratégias diferentes para garantir que todos sejam contemplados”, explica Paula Angélica Pimentel Prado, orientadora pedagógica da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental do Colégio Piaget, na capital paulista.
A inteligência, segundo Piaget, é uma adaptação: o indivíduo desenvolve formas de agir e pensar para superar os desafios colocados pelos meios natural e social. Ao se deparar com uma novidade, um desafio, a pessoa é capaz de remanejar suas ideias e criar novas conclusões a partir delas, para resolver seu problema. “O pensamento se desenvolve a partir das ações sensoriais e motoras que antecedem o aparecimento da função simbólica, isto é, da capacidade de pensar”, explica a docente do curso de Psicologia da PUC-SP Maria Regina Maluf, presidente da Sociedade Interamericana de Psicologia e estudiosa de Piaget.
Na escola, isso adquire a roupagem de provocação. “Temos em mente a situação de que o novo conteúdo traz um desequilíbrio para o aluno, sendo que ele volta à situação de equilíbrio depois de assimilar esses novos conhecimentos. Ou seja, o cerne da questão é a problematização, fazermos com que os alunos enfrentem os desafios e se sintam capazes de superá-los”, sustenta a orientadora pedagógica. Pelo foco da psicologia, Maria Regina explica: “surge assim [com os estímulos adequados] o pensamento lógico, sob a influência de quatro fatores do desenvolvimento, conforme os estudos de Piaget: a maturação, a aprendizagem, as interações sociais, e a equilibração, ou seja, a busca constante de regulação mental”.
O educador, porém, não é uma figura menos importante no sistema do aprendizado, lembra Maria Izabel. “O professor é o grande provocador, é o que tem que reconhecer as condições dos alunos para traçar suas estratégias para fazer com que seja realizado o objetivo, que é o aprendizado”, reflete. Mais do que a responsabilidade de trazer todas as respostas, o educador faz com que o aluno busque por si mesmo as informações. “O papel do professor é o de estimular a pesquisa e o esforço do aluno, sensibilizar para a busca e o interesse. Sempre que recebemos uma pergunta, devolvemos para eles, para entender o que sabem sobre o assunto e verificar o caminho para que tenham curiosidade de buscar o novo conhecimento. Formulamos a aula para intervir”, explica Paula.
Linha pedagógica
“Piaget foi sem dúvida um trabalhador da ciência, que nos deixou uma obra vasta e complexa”, afirma Maria Regina, ressaltando que a educação é apenas um dos campos nos quais as hipóteses piagetianas podem ser aplicadas. Dedicado a investigar a gênese do conhecimento (epistemologia genética), Piaget, se vivesse hoje, provavelmente transitaria mais na área da neurociência do que nos ambientes escolares. O debate sobre a que área da ciência pertencem as ideias de Piaget, no entanto, não é a principal questão 30 anos depois de sua morte, até porque hoje conhecimento, ciência e aprendizado não são um problema restrito apenas às escolas e ambientes similares de ensino formal.
Para Maria Izabel, afirmar que uma escola ou outra é “piagetiana” hoje não passaria de uma ação de marketing. “A escola pública carece de qualquer teoria pedagógica, está tudo desorientado. Nos colégios particulares, há divisões, mas não se pode dizer que uma escola tem uma linha pedagógica; ela tem que se adaptar para atingir a finalidade, que é fazer com que o aluno aprenda e tenha sucesso no objetivo de ser aprovado no vestibular”, analisa.
Por outro lado, colégios já vistos como construtivistas [hiperlink: Em suas pesquisas, o epistemólogo apontou uma série de conclusões a respeito de como se opera a construção do conhecimento e da própria estrutura lógica mental para o indivíduo – daí terem dado à “linha pedagógica” inspirada em sua teoria o nome de construtivista] em São Paulo, como a Escola da Vila e o próprio Colégio Piaget, rejeitam o rótulo de “piagetianos”. Seus professores dizem aproveitar os ensinamentos de Piaget, mas não seguir uma “linha piagetiana”. “Não aplicávamos suas teorias nas salas de aula, apenas procurávamos entender o desenvolvimento das condições de conhecimento nas crianças, para então promover boas situações de aprendizagem”, conta Zélia Cavalcanti. Para ela, o adequado é usar o termo “construtivista”: “Adotamos o ponto de vista que não reconhece uma ‘linha pedagógica’ piagetiana, mas sim uma metodologia de ensino derivada das suas pesquisas: a concepção construtivista de ensino e aprendizagem ou construtivismo escolar”, diz. Para o colégio que traz em seu nome uma homenagem a Piaget, se uma definição de linha pedagógica se aplicasse, seria a “interacionista”, segundo a orientadora Paula. “Construímos nossa atuação adaptando ensinamentos de Piaget, Vigostky, Wallom e Ausubel, aproveitando a parte boa de cada um”, explica.
Da classificação de fases à divisão em ciclos
O legado mais concreto de Piaget para a educação foi a classificação assertiva, por faixas etárias, das fases da criança, apontando em qual delas o indivíduo é capaz de realizar determinadas operações mentais, lógicas ou mesmo sociais, morais – como a capacidade de interagir com o outro, de se colocar no lugar do outro. “Ele [Piaget] construiu hipóteses explicativas vigorosas a respeito das fases de desenvolvimento mental”, diz Maria Regina. “No primeiro período da vida – sobretudo os dois primeiros anos – são de grande importância as atividades de imitação, jogos simbólicos de faz-de-conta, desenhos, e linguagem oral”, completa.
No Colégio Piaget, uma das práticas destacadas é o uso dos recursos lúdicos no ensino infantil. “Todo tema novo a ser ensinado começa com uma brincadeira, porque se sabe que de 0 a 6 anos o que desperta o interesse da criança é a brincadeira”, exemplifica Paula. Para Maria Regina, está correta a prática: “Essas atividades devem ser valorizadas e estimuladas pelo educador, pois a partir delas, sobretudo da linguagem, vai surgir o pensamento operacional, abstrato”.
Contextualizando a aplicação da classificação das faixas para o sistema brasileiro, Maria Izabel reconhece que “a classificação das fases foi fundamental para a divisão dos ciclos [Infantil e Fundamental I e II], como temos hoje nas escolas, e a inserção de outras disciplinas, como Artes e Educação Física”. Diretamente ligada a essa divisão dos ciclos está a proposta da progressão continuada, incentivada no Brasil principalmente por Paulo Freire, porque não existe razão para o indivíduo que cresce e que muda de faixa etária continuar repetindo operações destinadas a estimular crianças que estão numa fase anterior.
“A ideia da progressão continuada faz muito sentido; pena que o que vemos hoje não tem nada a ver com isso. O que vivemos hoje é um sistema de aprovação automática, sem critério e sem uma ação que possibilite a adaptação do aluno”, afirma, lamentando a mudança de rumos das políticas de educação na rede pública depois da década de 90. “A partir da era Collor, houve a mudança de rumos, com uma proposta engessada para a nova LDB, que retirou autonomia dos professores, trazendo as apostilas e as metas simplificadas, as aulas robotizadas, sem preocupação com o aprendizado de fato”, reclama.
Autonomia, criatividade e coletividade
A melhor avaliação que se pode fazer do legado de Piaget para a educação é: os indivíduos que criaram seu conhecimento com as técnicas baseadas em suas teorias sobre o aprendizado são diferentes? “Sem dúvida, formamos indivíduos mais autônomos, críticos e criativos”, garante Paula, do Colégio Piaget.
Para Maria Izabel, também está claro que a proposta de centrar o aprendizado nas referências e na lógica do aluno tem muito a ver com a proposta de pedagogia da autonomia. Em sua visão, não é só o encaixe do conceito da progressão continuada que faz as ideias de Piaget se parecerem muito com as do educador brasileiro Paulo Freire. “O educador que centra sua prática no aluno tem que buscar sua referência na realidade dele, como Paulo Freire, quando definia, com o conjunto dos seus alunos, que a figura do tijolo seria o ponto de partida, por exemplo. Dali para a frente, o professor sabe aonde quer chegar, mas utilizou como referência algo que já é assimilado para todos”, explica.
Assim como o brasileiro, o suíço inovava ao argumentar que a realidade e as informações trazidas pelo outro influem nas estruturas e na lógica que a criança cria sobre seu conhecimento e sua interpretação sobre o mundo. Daí a importância da interação com o ambiente e com o outro, o que busca também uma consciência de coletividade.
“Uma das influências de Piaget para nossa prática é a troca do indivíduo com o meio em que está inserido: fazemos atividades de interação com o meio e com o outro, promovemos atividades em dupla, em grupo, muitas atividades práticas, principalmente no ensino infantil e fundamental”, afirma a orientadora do Colégio Piaget. Na Escola da Vila, está claro que o aprendizado não é um processo autocentrado, individualista: “Para o construtivismo escolar, a interação entre iguais (em alguns momentos) e entre diferentes (em outros) é fundamental para a qualidade da aprendizagem numa sala de aula”, esclarece Zélia.
Para Paula, o grande objetivo de aplicar técnicas de ensino inspiradas em linhas pedagógicas como as inspiradas em Piaget é enfrentar um dos novos desafios que a escola se colocou ao assumir o papel de educadora: formar pessoas. “Formamos pessoas completas, com uma visão criativa e coletiva, que é uma visão atual, ajustada ao mundo que vivemos agora”, conclui.
Fonte: Revista Forum
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