terça-feira, 10 de agosto de 2010

Escola pública e autoritarismo: relato de um professor reprimido pelo sistema

Sempre pensei, ingenuamente, que a escola pública fosse do povo, e que as pessoas poderiam dar sugestões para melhorar as práticas do dia a dia. Infelizmente, vemos que isso não acontece. Por Professor Juca [*]

Nesta semana passei por uma situação constrangedora na escola pública onde trabalho como professor eventual [que substitui professores que faltam; função de contrato precarizado e sem salário fixo]. Na última quarta-feira, ao chegar à porta da escola, um aluno me abordou e disse que havia sido impedido de entrar, pois esteve trabalhando até mais tarde e não conseguiu os documentos necessários para mostrar à secretária e poder entrar atrasado. Em solidariedade fui até à secretaria e falei sobre a situação, e a secretária disse que apenas obedece a ordens. Então, fui até à coordenadora pedagógica, que respondeu que quem cuida disso é a vice-diretora. Ao encontrar a vice-diretora e comunicar o fato, ela informou que o aluno não iria entrar até que um responsável fosse à escola. Eu afirmei que o rapaz havia demonstrado interesse em entrar e que ele tem o direito de acesso ao estudo, mas de nada adiantou, e ainda ela afirmou que é um assunto que não me compete. Essa é a democracia na qual vivemos. Esse é o tratamento que recebe um professor e cidadão da comunidade. Em seguida, me dirigi à sala dos professores.

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Logo após, fui chamado para substituir uma professora que havia faltado. Dei a segunda e a terceira aula. Após o intervalo, fui até à secretaria perguntar se restavam aulas para eu entrar em substituição, e a vice-diretora, responsável pela distribuição das aulas entre os eventuais, informou que não havia aulas para mim. Em seguida, voltei à sala dos professores e estava me preparando para ir embora, quando alunos me informaram que estavam sem professor na sala. Na sequência voltei à secretaria e comuniquei o fato para a vice-diretora e complementei afirmando que ela estava me impedindo de exercer meu direito de trabalhar, pois ela estava dispensando o professor eventual sendo que havia sala sem professor. Ela respondeu que não havia visto a aula vaga no horário e pediu para eu ministrar a aula.

No dia seguinte, a vice-diretora me chamou à sua sala de direção, dizendo que gostaria de conversar comigo. Fui até à sala onde estavam a vice-diretora e a coordenadora pedagógica da escola me esperando para “dialogar”. A vice-diretora afirmou que eu não estava respeitando a ela e a hierarquia e que estava me intrometendo onde não me compete. Já a coordenadora pedagógica disse que eu deveria passar conteúdos referentes à disciplina do professor substituído, seguindo a apostila oferecida pelo governo estadual. Apostila que é em si uma infração a um direito garantido ao professor, que é a liberdade de cátedra, prevista no artigo 206 da Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996), isto sem comentar os erros que as apostilas possuem nas diversas disciplinas. A vice-diretora ainda afirmou que a partir daquele momento as aulas serão atribuídas por ela na secretaria e os professores eventuais não poderão ter acesso ao caderno onde são marcadas as aulas. Por que essa falta de transparência?

Eu disse a elas que nunca desrespeitei ninguém na escola, independente de posição hierárquica. Quando tentei seguir argumentando, a vice-diretora disse que a conversa havia terminado, me interrompendo, e assim saí da sala.

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Será que estamos retrocedendo ao período sombrio da ditadura militar? A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a Constituição Federal são desrespeitadas aberta e escandalosamente, tudo em nome da manutenção da ordem hierárquica e opressora, e o pior é que ninguém faz nada e todos seguem agindo tranquilamente, como se não fôssemos livres para pensar, opinar e reivindicar nossos direitos perante as autoridades públicas. Até quando vamos ficar levando “tapas na cara”, sem fazer nada?

Sempre pensei, ingenuamente, que a escola pública fosse do povo, e que as pessoas poderiam dar sugestões para melhorar as práticas do dia a dia. Infelizmente, vemos que isso não acontece e professores e funcionários, por falta de conhecimento das leis ou por concordar com essas práticas, não se movem para defender seus direitos e exigir a democratização das relações entre direção, corpo docente, funcionários e comunidade.

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Quando os trabalhadores da educação irão perceber que o autoritarismo só distancia a comunidade da escola ao invés de aproximá-la? A relação entre alunos e escola acaba sendo de submissão, medo e raiva, podendo gerar violência e falta de interesse contra tudo que faz lembrar a escola.

A massa do professorado paulista tem tendências fascistóides. Muitos defendem a volta do regime militar no país. O apoio à polícia por parte dos professores, quando esta reprime protestos e “desce a borracha” nos pobres das periferias, é a constatação da mentalidade autoritária presente entre os docentes. E note-se que os mesmos pobres são os nossos alunos e suas famílias. Os mesmos professores externalizam o sentimento patriótico, quando comentam “o quanto era lindo cantar o hino nacional e hastear a bandeira”. Saudosismo ingênuo que é fruto de um período de opressão ideológica e física, e que eles não perceberam, porque a mídia era censurada, sendo impossibilitada de mostrar os problemas sociais do país e a violência por parte do governo contra quem ousava pensar e se manifestar.

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A sala dos professores é um reduto onde a maioria dos docentes reclama dos alunos e conversa sobre novelas, as mesmas que começaram a ser produzidas durante o regime militar para transmitir ideologia e controle social em frente à “telinha”. Não seria melhor que os docentes lessem livros relacionados à prática educativa?

Finalizo dizendo… “até quando você vai ficar levando porrada, e ficar sem fazer nada?”

[*] Professor numa escola estadual de São Paulo. Para evitar represálias por conta da Lei da Mordaça, o professor usa um pseudônimo.

Fonte: Passa Palavra

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