sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cotas raciais nas universidades públicas: debate entre cegos e surdos?

O que esperar de um país que mata sua população na idade mais ativa?
E quem lucra com essas mortes?
A indústria de armas?
A indústria de fardas?
Os cemitérios, as funerárias?
E o que eu tenho com isso?
E o que você tem com isso?
“Quando a polícia brasileira foi criada, sua função primordial era controlar escravos, reprimir quilombos e ajuntamentos e açoitar escravos em locais públicos. No primeiro presídio, 95% dos presos eram escravos”.
Fonte: Documentário: Zumbi Somos Nós – Frente 3 de fevereiro
Vamos ao texto:
( por Diogo Marçal Cirqueira)
Infelizmente alguns de nossos conterrâneos, centrados em seu mundo provinciano, mais uma vez chegam atrasados. Desta vez, junto às discussões que remetem a políticas de ação afirmativa, ou melhor, a uma de suas modalidades: as cotas. E por que atrasados? Simplesmente porque somente agora, após oito anos da implementação do primeiro projeto de Ação Afirmativa e várias outras experiências dessas políticas pelo Brasil, se iniciam os debates acerca dessa questão aqui. Isso se configura como um problema, pois há questões cujo desenrolar está bastante desenvolvido, no entanto, a maioria das pessoas se prende apenas ao “senso comum” e se limita a um discurso infundado de “a favor” ou “contra”. Todos/as ignoram as várias pesquisas que apresentam os resultados positivos das ações afirmativas no Brasil, e é justamente nesse contexto que temos um debate entre cegos e surdos.
O senador Demóstenes Torres, do DEM, é o melhor exemplo disso. Apesar de ser leigo no assunto – isso fica nítido em suas “argumentações-clichês” – e ter chegado atrasado à discussão, é a pessoa que encabeça o movimento no Senado contra cotas raciais nas universidades públicas. Suas argumentações são as mesmas que a população negra vem ouvindo há séculos das elites brasileiras, compostas majoritariamente por brancos/as...
E quando digo majoritariamente branca não é uma divagação sem fundamento. As últimas pesquisas de órgãos nacionais e internacionais como IBGE, Ipea, Pnud e Unesco confirmam essa realidade. Diferente do que o Senador argumenta sobre as consequências da implementação das “cotas raciais” nas universidades – “esse é um projeto com grande potencial de dividir a sociedade brasileira”, o Brasil já está dividido! Como essas estatísticas demonstram, a população negra morre mais que a população branca por falta de atendimento médico; essa mesma população possui uma taxa muito inferior à população branca no que se refere à ocupação de postos de trabalho; as condições materiais de vida da população negra são baixíssimas quando comparadas à da população branca; o acesso ao poder institucional, às políticas públicas e aos mercados legais são ínfimos entre negros/as; a atuação do racismo na educação formal, além de expulsar a negros/as dos bancos escolares, levam estes/as a terem um rendimento educacional inferior a de brancos/as; e nas universidades, em vista de todo esse processo aviltante, é ínfima a presença de negros/as.Exemplo emblemático que desconstrói essa noção de Brasil como “paraíso racial”, como uma “democracia racial”, são as pesquisas realizadas pelo Pnud que analisaram separadamente o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de brancos/as e negros/as.
Esse trabalho detectou a existência de dois Brasis: um Brasil com IDH elevadíssimo, composto por brancos/as e que poderia figurar entre os países mais desenvolvidos do mundo; e outro Brasil, extremamente pobre e composto por negros/as.Quando nosso senador argumenta que “não podemos deixar que os problemas do passado contaminem o presente e criem a divisão racial”, ele despreza que a história não se esquece e permanece sempre viva no presente. Os problemas da escravidão, do racismo e do patriarcalismo, impregnados à nossa história, não vão contaminar a sociedade brasileira, uma vez que esta já está contaminada há tempos.Assim, as cotas para negros e negras não surgem para dividir o Brasil, mas, sim, para proporcionar a integração, ou melhor, o encontro entre os diferentes que só existe de fato no plano discursivo e ideológico.
Como nos diz o poeta Cuti, “a cota é apenas uma gota num gigantesco mar de desigualdades”; é somente o primeiro e pequeno passo para “democratizar” um espaço que por anos se destina a um único grupo da sociedade brasileira.
Diogo Marçal Cirqueiraé mestrando em Geografia pela UFG, integrante do Coletivo de Estudantes Negras/os Beatriz Nascimento (Canbenas) e pesquisador do Núcleo de Estudos Africanos e Afrodescendentes (Neaad) (
diogomcgyn@gmail.com)

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