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A Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, resultantes das mobilizações populares, ocorridas nas décadas de 1970 e 80, em defesa da democratização do pais e de alguns direitos sociais que pudesse assegurar dignidade humana ao povo brasileiro.
Por exemplo, contra direito absoluto da propriedade privada agrícola – defendida pelo poder econômico exatamente para perpetuar a desigualdade social existente no país - se impôs o princípio da função social da terra. Ou seja, os direitos privados sobre a estrutura fundiária brasileira devem estar subordinados aos direitos sociais do país.
E foi exatamente por ter incorporado algumas das aspirações populares que a CF/1988 recebeu legitimidade política e se apresentou como a Constituição Cidadã. A Carta Magna, resultante dos embates e interesses contraditórios das forças políticas daquele período histórico, legitimou, assim, os movimentos sociais como atores e autores políticos de uma bandeira de luta que modificou, constitucionalmente, o conceito de propriedade fundiária em nosso país.
Mas, em se tratando dos direitos da classe trabalhadora, numa sociedade regida pelos interesses do capital, não basta assegurar os direitos na forma de lei. É preciso criar condições e mecanismos para que, na ação política, o direito já declarado constitucionalmente se transforme num direito real, em benefício da classe trabalhadora. Já, a classe dominante busca, principalmente com sua influência econômica e política sobre o aparato legislativo e jurídiciário, reverter a derrota sofrida em 1988 e assegurar o direito absoluto da propriedade privada.
É nesse contexto, de impedir que um direito já assegurado pela Constituição Federal se transforme num direito real, é que deve ser visto essa ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária. É a força da ideologia antidemocrática que se posiciona contra a atuação política e a própria existência dos movimentos sociais.
Essa forças políticas conservadoras são incapazes de admitir que o “o grau de legitimidade que um sistema político reconhece aos grupos sociais define o grau da democracia de uma sociedade”1 uma vez que o ideário a da democracia nunca esteve presente no horizonte da classe dominante brasileira. O fato do desenvolvimento econômico brasileiro ter sido alicerçado nas demandas do mercado externo e ter sido promotor da crescente desigualdade social, exigiu – com exceções de breves períodos históricos – uma permanente repressão aos movimentos sociais. Basta lembrar que no modelo de desenvolvimento econômico agro-exportador (1500 -1930) foram 4 séculos de trabalho escravo. E depois da Abolição da Escravatura (1888), às condições de trabalho e de vida a que eram submetidos os camponeses pobres vindos da Europa em muito pouco se diferenciavam às do trabalho escravo. E, aos trabalhadores urbanos restavam a repressão policial, prisões, assassinatos e deportação aos seus países de origem. Não é sem razão que durante o período da República
Oligárquica (1889-1930) a questão social é tratada como caso de polícia.
Mesmo o período de industrialização (1930-1980) ocorre, na maior parte do tempo, sob regimes ditatoriais: entre a ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945) e do regime militar (1964-1984), houve o governo de Gaspar Dutra (1946-1951) que se notabilizou pelas leis anti-greves, por combater o movimento sindical autônomo e ao colocar, mais uma vez, na ilegalidade o Partido Comunista do Brasil (PCB). É nesse cenário de repressão aos movimentos sociais que o Brasil completou seu ciclo de industrialização, tornou-se uma das maiores potências capitalistas, mas aumentou sua dependência externa e a desigualdade social.
Agora, a partir da década de 1990, uma redefinição do mundo do trabalho e da produção capitalista impôs aos países do hemisfério sul, com a conivência dos seus governos, a necessidade de novamente se transformar numa plataforma de exportação dos produtos agropecuários, florestais e os minérios. Assim, mais uma vez, nossas riquezas naturais, o trabalho do povo brasileiro e a política econômica do país está voltada para atender as demandas dos países ricos, integrar o mercado capitalista de forma subordinada e assegurar a concentração da riqueza e da renda há uma pequena minoria da população brasileira.
O agronegócio, hegemonizado pelo capital financeiro, empresas transnacionais e grandes proprietários rurais, e que hoje domina a agricultura brasileira e dita políticas ao governo, é a melhor síntese do papel que o sistema capitalista relegou ao nosso país no cenário mundial. Nossas melhores terras está sendo destinadas para gigantescas extensões dos monocultivos da cana de açúcar, eucaliptos e soja. Toneladas e toneladas de minérios saem todos os dias do país – com outras riquezas minerais agregadas – a preços ínfimos e retornam como produtos industrializados e com valor econômico agregado. Assim, ditado pelas demandas do mercado externo e assegurado por significativos financiamentos governamentais, o agronegócio tornou-se um pólo dinâmico da economia brasileira.
Mas, tanto nas áreas de monocultivos, seja qual for, quanto nas regiões de extração mineral, é crescente a pobreza, as pequenas comunidades rurais são destroçadas e se comete uma verdadeira depredação ambiental criminosa. E na medida em que essas contradições entre os interesses do capital e da população se agudizam e na medida em que a competição internacional exige uma exploração maior da mão-de-obra, os que lucram com o modelo do agronegócio não hesitam em recorrer à violência para impor seus interesses. Por isso, o relatório de 2009 da Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre a violência no campo, atesta que o trabalho escravo tem crescido mais exatamente na região, a sudeste, em que o agronegócio está mais bem estruturado. Repete-se, com o agronegócio, a prática histórica de que os pólos mais dinâmicos da acumulação capitalista, apresentados aos olhos da população como modernos, são também os maiores promotores da violência contra a classe trabalhadora e os movimentos sociais.
No caso específico da Reforma Agrária, as terras agrícolas que não cumpriam a função social e deveriam ser destinadas ao assentamento de famílias de trabalhadores rurais sem terras, agora são disputadas pelo agronegócio, que quer expandir sua área produtiva, motivado pela voracidade insaciável e irracional do mercado internacional. Em nome de cumprir a função social da terra, usando como único elemento a produtividade agrícola da área, justifica-se uma nova onde de concentração fundiária em mãos de latifundiários brasileiros e de grupos estrangeiros. À população excluída desse modelo agrícola não lhe resta nenhuma alternativa, uma vez que o agronegócio ocupa pouca mão-de-obra e a economia urbana já não absorve mais os contingentes populacionais vindos do campo. Resta apenas a alternativa de lutar pela reforma agrária. E ao lutar pela reforma agrária, são criminalizados, numa ação conjunta de setores do poder judiciário, poder legislativo, mídia e o aparato repressivo do Estado. Ao criminalizar, não basta punir as pessoas que fazem a luta. É preciso, também, deslegitimar os movimentos sociais e tirar dos trabalhadores, se possível sem violência física, o direito de serem sujeitos políticos.
O objetivo da criminalização é criar as condições legais, e se possível legitimas perante a sociedade, para: a) impedir que a classe trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas; restringir, diminuir ou dificultar o acesso as políticas públicas; c) isolar e desmoralizar os movimentos sociais junto à sociedade; d) e, por fim, criar as condições legais para a repressão física aos movimentos sociais.
Os porta-vozes dessa política de criminalização são, geralmente, os parlamentares ainda associados ao latifúndio improdutivo, respaldo por sua história de violência e de crimes cometidos contra os trabalhadores rurais. Essa bancada ruralista não hesita em levantar as bandeiras mais atrasadas, anti-sociais e de depredação ambiental. Já bancada do agronegócio, se preserva, diante dos olhos da sociedade, aparecendo sempre como mais racional, menos violenta e mais sensível aos apelos da sociedade e aos problemas ambientais. Ambas as bancadas, são duas faces da mesma moeda: defendem o modelo agrícola do agronegócio e estruturam ainda mais domínio de uma elite brasileira tão bem caracterizada por Florestan Fernandes ao defini-la como anti-social, antinacional e antidemocrática. Aos movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária cabe continuar se organizando e lutando o para assegurar conquistas políticas e econômicas que lhes dê condições dignas de vida. E, ao mesmo tempo, terão que qualificar o relacionamento com a sociedade para enfrentar e derrotar essa nova ofensiva da ideologia antidemocrática que insiste em transforma esse país nua grande fazenda agro-exportadora.
São Paulo, janeiro de 2010.
A Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, resultantes das mobilizações populares, ocorridas nas décadas de 1970 e 80, em defesa da democratização do pais e de alguns direitos sociais que pudesse assegurar dignidade humana ao povo brasileiro.
Por exemplo, contra direito absoluto da propriedade privada agrícola – defendida pelo poder econômico exatamente para perpetuar a desigualdade social existente no país - se impôs o princípio da função social da terra. Ou seja, os direitos privados sobre a estrutura fundiária brasileira devem estar subordinados aos direitos sociais do país.
E foi exatamente por ter incorporado algumas das aspirações populares que a CF/1988 recebeu legitimidade política e se apresentou como a Constituição Cidadã. A Carta Magna, resultante dos embates e interesses contraditórios das forças políticas daquele período histórico, legitimou, assim, os movimentos sociais como atores e autores políticos de uma bandeira de luta que modificou, constitucionalmente, o conceito de propriedade fundiária em nosso país.
Mas, em se tratando dos direitos da classe trabalhadora, numa sociedade regida pelos interesses do capital, não basta assegurar os direitos na forma de lei. É preciso criar condições e mecanismos para que, na ação política, o direito já declarado constitucionalmente se transforme num direito real, em benefício da classe trabalhadora. Já, a classe dominante busca, principalmente com sua influência econômica e política sobre o aparato legislativo e jurídiciário, reverter a derrota sofrida em 1988 e assegurar o direito absoluto da propriedade privada.
É nesse contexto, de impedir que um direito já assegurado pela Constituição Federal se transforme num direito real, é que deve ser visto essa ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária. É a força da ideologia antidemocrática que se posiciona contra a atuação política e a própria existência dos movimentos sociais.
Essa forças políticas conservadoras são incapazes de admitir que o “o grau de legitimidade que um sistema político reconhece aos grupos sociais define o grau da democracia de uma sociedade”1 uma vez que o ideário a da democracia nunca esteve presente no horizonte da classe dominante brasileira. O fato do desenvolvimento econômico brasileiro ter sido alicerçado nas demandas do mercado externo e ter sido promotor da crescente desigualdade social, exigiu – com exceções de breves períodos históricos – uma permanente repressão aos movimentos sociais. Basta lembrar que no modelo de desenvolvimento econômico agro-exportador (1500 -1930) foram 4 séculos de trabalho escravo. E depois da Abolição da Escravatura (1888), às condições de trabalho e de vida a que eram submetidos os camponeses pobres vindos da Europa em muito pouco se diferenciavam às do trabalho escravo. E, aos trabalhadores urbanos restavam a repressão policial, prisões, assassinatos e deportação aos seus países de origem. Não é sem razão que durante o período da República
Oligárquica (1889-1930) a questão social é tratada como caso de polícia.
Mesmo o período de industrialização (1930-1980) ocorre, na maior parte do tempo, sob regimes ditatoriais: entre a ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945) e do regime militar (1964-1984), houve o governo de Gaspar Dutra (1946-1951) que se notabilizou pelas leis anti-greves, por combater o movimento sindical autônomo e ao colocar, mais uma vez, na ilegalidade o Partido Comunista do Brasil (PCB). É nesse cenário de repressão aos movimentos sociais que o Brasil completou seu ciclo de industrialização, tornou-se uma das maiores potências capitalistas, mas aumentou sua dependência externa e a desigualdade social.
Agora, a partir da década de 1990, uma redefinição do mundo do trabalho e da produção capitalista impôs aos países do hemisfério sul, com a conivência dos seus governos, a necessidade de novamente se transformar numa plataforma de exportação dos produtos agropecuários, florestais e os minérios. Assim, mais uma vez, nossas riquezas naturais, o trabalho do povo brasileiro e a política econômica do país está voltada para atender as demandas dos países ricos, integrar o mercado capitalista de forma subordinada e assegurar a concentração da riqueza e da renda há uma pequena minoria da população brasileira.
O agronegócio, hegemonizado pelo capital financeiro, empresas transnacionais e grandes proprietários rurais, e que hoje domina a agricultura brasileira e dita políticas ao governo, é a melhor síntese do papel que o sistema capitalista relegou ao nosso país no cenário mundial. Nossas melhores terras está sendo destinadas para gigantescas extensões dos monocultivos da cana de açúcar, eucaliptos e soja. Toneladas e toneladas de minérios saem todos os dias do país – com outras riquezas minerais agregadas – a preços ínfimos e retornam como produtos industrializados e com valor econômico agregado. Assim, ditado pelas demandas do mercado externo e assegurado por significativos financiamentos governamentais, o agronegócio tornou-se um pólo dinâmico da economia brasileira.
Mas, tanto nas áreas de monocultivos, seja qual for, quanto nas regiões de extração mineral, é crescente a pobreza, as pequenas comunidades rurais são destroçadas e se comete uma verdadeira depredação ambiental criminosa. E na medida em que essas contradições entre os interesses do capital e da população se agudizam e na medida em que a competição internacional exige uma exploração maior da mão-de-obra, os que lucram com o modelo do agronegócio não hesitam em recorrer à violência para impor seus interesses. Por isso, o relatório de 2009 da Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre a violência no campo, atesta que o trabalho escravo tem crescido mais exatamente na região, a sudeste, em que o agronegócio está mais bem estruturado. Repete-se, com o agronegócio, a prática histórica de que os pólos mais dinâmicos da acumulação capitalista, apresentados aos olhos da população como modernos, são também os maiores promotores da violência contra a classe trabalhadora e os movimentos sociais.
No caso específico da Reforma Agrária, as terras agrícolas que não cumpriam a função social e deveriam ser destinadas ao assentamento de famílias de trabalhadores rurais sem terras, agora são disputadas pelo agronegócio, que quer expandir sua área produtiva, motivado pela voracidade insaciável e irracional do mercado internacional. Em nome de cumprir a função social da terra, usando como único elemento a produtividade agrícola da área, justifica-se uma nova onde de concentração fundiária em mãos de latifundiários brasileiros e de grupos estrangeiros. À população excluída desse modelo agrícola não lhe resta nenhuma alternativa, uma vez que o agronegócio ocupa pouca mão-de-obra e a economia urbana já não absorve mais os contingentes populacionais vindos do campo. Resta apenas a alternativa de lutar pela reforma agrária. E ao lutar pela reforma agrária, são criminalizados, numa ação conjunta de setores do poder judiciário, poder legislativo, mídia e o aparato repressivo do Estado. Ao criminalizar, não basta punir as pessoas que fazem a luta. É preciso, também, deslegitimar os movimentos sociais e tirar dos trabalhadores, se possível sem violência física, o direito de serem sujeitos políticos.
O objetivo da criminalização é criar as condições legais, e se possível legitimas perante a sociedade, para: a) impedir que a classe trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas; restringir, diminuir ou dificultar o acesso as políticas públicas; c) isolar e desmoralizar os movimentos sociais junto à sociedade; d) e, por fim, criar as condições legais para a repressão física aos movimentos sociais.
Os porta-vozes dessa política de criminalização são, geralmente, os parlamentares ainda associados ao latifúndio improdutivo, respaldo por sua história de violência e de crimes cometidos contra os trabalhadores rurais. Essa bancada ruralista não hesita em levantar as bandeiras mais atrasadas, anti-sociais e de depredação ambiental. Já bancada do agronegócio, se preserva, diante dos olhos da sociedade, aparecendo sempre como mais racional, menos violenta e mais sensível aos apelos da sociedade e aos problemas ambientais. Ambas as bancadas, são duas faces da mesma moeda: defendem o modelo agrícola do agronegócio e estruturam ainda mais domínio de uma elite brasileira tão bem caracterizada por Florestan Fernandes ao defini-la como anti-social, antinacional e antidemocrática. Aos movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária cabe continuar se organizando e lutando o para assegurar conquistas políticas e econômicas que lhes dê condições dignas de vida. E, ao mesmo tempo, terão que qualificar o relacionamento com a sociedade para enfrentar e derrotar essa nova ofensiva da ideologia antidemocrática que insiste em transforma esse país nua grande fazenda agro-exportadora.
São Paulo, janeiro de 2010.
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